Fabio Martins 07/08/2015
Na natureza selvagem
Recentemente, o presidente do Uruguai, José Pepe Mujica, fez um discurso marcante na 68ª Assembleia Geral da ONU, que me fez pensar em algumas questões da vida. Entre suas palavras de defesa da América do Sul, Mujica declarou que nós, humanos, “arrasamos as selvas, as selvas verdadeiras, e implantamos selvas anônimas de cimento. Enfrentamos o sedentarismo com esteiras, a insônia com comprimidos, a solidão com eletrônicos, porque somos felizes longe da convivência humana”.
O ponto que mais me chamou atenção em seu discurso, entretanto, foi aquele em que fez uma reflexão sobre a vida que a maioria das pessoas do mundo vive, inclusive eu: “O homenzinho médio de nossas grandes cidades perambula entre os bancos e o tédio rotineiro dos escritórios, às vezes temperados com ar-condicionado. Sempre sonha com as férias e com a liberdade, sempre sonha com pagar as contas, até que, um dia, o coração para, e adeus. Haverá outro soldado abocanhado pelas presas do mercado, assegurando a acumulação.”
Há pouco tempo, comecei a me atentar mais em questões como essa, principalmente após uma viagem que fiz ao longo da América do Sul – iniciada no próprio Uruguai de Mujica –, em que tive bastante contato com a natureza e pessoas de culturas diferentes, mas com anseios, angústias e vontades iguais.
Foi por este momento da minha vida que cheguei ao livro Na natureza selvagem, de Jon Krakauer. A obra remonta a história de Chris McCandless, jovem de família relativamente rica que, após formar-se com louvor na universidade, abandonou tudo e resolveu iniciar sua “aventura alasquiana”, com poucos pertences, quase sem dinheiro e evitando ao máximo o contato de pessoas superficiais.
Tudo começou em meados de 1990, quando doou todo o seu dinheiro para uma instituição de caridade e partiu para o oeste americano ao longo de suas paisagens mais remotas com a mente, coração e braços abertos.
Em suas andanças pela América do Norte, – chegou ao México sozinho de caiaque – trocou experiências e pensamentos com diversas pessoas que conheceu. Em minha opinião, essa é a parte mais enriquecedora de uma viagem a lugares desconhecidos. No meu caso, considero que não há nada tão interessante como sentar com as pessoas de diversos lugares do mundo no bar do hostel em que está hospedado para trocar experiências, conversar sobre diversos assuntos e, claro, dar boas risadas.
Foi o que ocorreu com Chris McCandless enquanto se preparava para se isolar no Alasca. Fez pequenos trabalhos para comprar suprimentos vitais, enquanto aguardava o melhor momento para seguir em sua aventura selvagem. Nsse meio tempo, fez grandes amizades que mudaram positivamente a vida de diversas pessoas.
O grande exemplo ocorreu com Ron Franz, um senhor de 81 anos veterano de guerra, sedentário e ex-alcoólatra. Logo de início ele se encantou com a vivacidade e disposição daquele jovem estranho, mas de discurso inteligente e eloquente. Chris sempre o incentivou a fazer coisas novas e viver a vida intensamente ao invés de esperar dia após dia a morte chegar. Depois que partiu, o jovem enviou uma carta marcante e emblemática ao velho Ron – quase uma ode à vida. Os trechos marcantes são:
“... Gostaria de repetir o conselho que lhe dei antes: acho que você deveria realmente promover uma mudança radical em seu estilo de vida e começar a fazer corajosamente coisas em que talvez nunca tenha pensado, ou que fosse hesitante demais para tentar. Tanta gente vive em circunstâncias infelizes e, contudo, não toma a iniciativa de mudar sua situação porque está condicionada a uma vida de segurança, conformismo e conservadorismo, tudo isso que parece dar paz de espírito, mas na realidade nada é mais maléfico para o espírito aventureiro do homem que um futuro seguro”.
“... Você tinha uma chance maravilhosa quando voltou da visita a uma das maiores vistas da terra, o Grand Canyon (...). Mas, por alguma razão incompreensível para mim, você só queria voltar correndo para casa (...). Temo que você seguirá essa mesma tendência no futuro e assim deixará de descobrir todas as coisas maravilhosas que Deus colocou em torno de nós para descobrir. Não se acomode nem fique sentado em um único lugar. Mova-se, seja nômade, faça de cada dia um novo horizonte. Você ainda vai viver muito tempo, Ron, e será uma vergonha se não aproveitar a oportunidade para revolucionar sua vida e entrar num reino inteiramente novo de experiências”.
Esta carta tem a mesma mensagem do discurso de Pepe Mujica, cada qual, claro, direcionada a seu público específico. E por incrível que pareça, Ron Franz acatou o conselho de Chris e mudou-se para um acampamento, instalando-se no mesmo lugar que o jovem viveu anteriormente. E foi esse efeito que Chris despertou em cada pessoa que conheceu nesse tempo de andanças.
Ao seguir definitivamente para o Alasca, o garoto de 24 anos pretendia desprender-se um pouco das relações humanas e viver apenas de suas caças e da terra que vivia. Encontrou um ônibus abandonado e hospedou-se lá por mais de dois meses. Por uma infeliz peça do destino, alimentou-se de uma planta venenosa muito parecida com outra que não possuía veneno, e morreu de inanição, sozinho, dentro do ônibus, já que não tinha forças para voltar à civilização.
Muitas pessoas consideram que Chris McCandless foi um jovem ousado demais, irresponsável demais e sonhador demais. O autor, Jon Krakauer, reflete sobre isso e expõe as diferentes opiniões de pessoas em relação às suas atitudes. Para mim, ele foi, de certa forma, irresponsável. Mas a mensagem que passou e o legado deixado por seus ideais sobrepõem-se consideravelmente nos corações das pessoas aos simples e cruéis devaneios de um jovem sonhador.
site: lisobreisso.wordpress.com