Ester 27/09/2022
Tão sucinto quanto clássico
Dizem que o que move o mundo são as perguntas e não as respostas... Por isso, inicio esta resenha indagando: o que seria da humanidade caso não existissem os sentimentos? E se fossem inexistentes as neuroses que a paixão faz florescer? O que seria do romantismo? Dos personagens? E de nós mesmos?
Para quem gosta de livros com uma história objetiva, mas ao mesmo tempo envolvente e imprevisível, trata-se de uma leitura altamente recomendada! Embora seja sucinto e de fato, não seja o magnum opus de Dostoiévski, certamente é um livro que vale a pena, do começo ao fim.
Em breve síntese, narra a história de um jovem sonhador que se apaixona por uma moça. Ele era solitário, e ela, a princípio, também parecia ser. Eles compartilham suas histórias e o primeiro se propõe a ajudar a segunda a ser feliz, estabelecendo "uma ponte" que há tempos ela esperava atravessar... Porém, ele não contava com o nascimento de seus próprios sentimentos por ela e isso influencia a sua forma de interpretar e vivenciar os fatos.
Há elementos imprevisíveis não apenas no enredo que transmite o desfecho da história, mas também na criatividade literária tal qual se apresenta.
Neste sentido, destaco a forma criativa que o autor utiliza para o narrador-personagem descrever os cenários, a qual expressa aspectos psicológicos do próprio personagem (o "sonhador", não nomeado durante a narrativa). Ao passo que introduz elementos ambientais e contextualiza os cenários de São Petersburgo, a personalidade solitária do sonhador é revelada. Por exemplo, na página 12: "[...] As casas também são minhas conhecidas. Quando caminho, é como se todas avançassem para a rua em minha direção, olhassem para mim com todas as suas janelas e dissessem: "Bom dia, como vai a sua saúde? Eu estou bem, Graças a Deus, e em maio vão me aumentar um andar". [...] Mas nunca me esquecerei da história de uma linda casinha rosa-claro. Era uma casinha de pedra tão agradável, olhava de forma tão acolhedora para mim e de forma tão arrogante para suas vizinhas desajeitadas [...]". Trechos assim revelam o quanto de leveza inspiradora o personagem possuía, a ponto de criar "diálogos" com o cenário ao seu redor e, ao mesmo tempo, solidão. Afinal, apenas alguém sem pessoas com quem conversar no dia a dia criaria diálogos com objetos ao seu redor, daria vida ao inanimado, tornando-o um "amigo", tal como o personagem faz com as casas, etc.
Ademais, na página 57, há um belíssimo trecho, parcialmente reproduzido a seguir: "[...] Entretanto, como a alegria e a felicidade tornam bela uma pessoa! Parece que queremos derramar o coração inteiro num outro coração; queremos que tudo esteja contente, que tudo sorria. E como é contagiosa a alegria! [...]".
Em linhas gerais, Noites Brancas foi escrito durante a primeira fase do escritor, antes de ele ter sido preso e condenado à morte, em 1849, pena esta que foi comutada para quatro anos de trabalhos forçados, seguidos por prestação de serviços como soldado na Sibéria.
Após essa fase, obras como "Crime e Castigo", "Memórias do Subsolo" e "Recordações da casa dos mortos" passaram a ser escritos, dando um aspecto de maior peso às suas obras. Inclusive, por diversos críticos, "Noites Brancas" é considerado um de seus livros mais “leve” e "fluído".
Contudo, repito, ainda que seja um livro de menor densidade em comparação a outras obras, é um clássico, pois o aspecto atemporal e a maestria que utiliza o autor para transmitir as suas inquietudes por meio dos personagens o faz assim.