Camila 20/01/2023
Devaneios e solidão
Camadas/reflexões extraídas:
- Equilíbrio entre sonhar (devaneios) e enfrentar a realidade: O tempo do sonho é equilibrado com o tempo da vida?
- Solidão X verdadeiras conexões com as pessoas.
- Acolhimento entre os seres humanos.
Em Noites Brancas, o narrador-personagem é um grande sonhador. Ele imagina histórias para as pessoas que vê nas ruas de São Petersburgo e mesmo sendo todas desconhecidas, se sente próximo pelo simples fato de encontrá-las na calçada. Em certos momentos ele parece querer se conectar com a vida social do mundo, porém a forma que encontra é uma ilusão. Não consegue se relacionar profundamente com as pessoas, apresentando, por exemplo, dificuldades de conversar com um amigo que o visita em sua residência. Sendo assim, passa a ser chamado de excêntrico. A partir dessa sensação de pertencimento do narrador, mesmo sem conexões reais, surge a seguinte reflexão: As relações que construímos nas redes sociais não trazem essa falsa ideia de pertencimento, maquiando a solidão? Estamos vivendo conexões verdadeiras com as pessoas?
Durante todo o enredo, o sonhador encontra-se em sonhos despertos (devaneios de uma consciência desperta), buscando refúgio na sua imaginação e reinventando a realidade (o que os outros tomam como real) em conformidade com a sua visão de mundo. Como apresenta dificuldades em seguir o ritmo da rotina prática e objetiva das pessoas, decide abrigar-se na sua interioridade. Contudo, ao mesmo tempo que busca o isolamento, demonstra medo da solidão. Sabe-se que o medo representa uma consciência de perigo sobre algo que pode causar algum dano físico ou psicológico. Diante de um perigo, é saudável que o indivíduo busque se proteger. No entanto, apesar da solidão ser um perigo ao protagonista, ele não busca afastar-se do seu universo onírico, a principal causa do seu afastamento da vida em sociedade. Então, eis que surge um primeiro questionamento: Até que ponto é saudável isolar-se da realidade, alimentando imaginações e devaneios? Há um ponto de equilíbrio?
Outro ponto que gostei muito do livro, foi a brilhante analogia que Dostoiévski fez entre a figura de um sonhador com a tartaruga e o caracol. Ambos possuem a criatividade como característica inerente ao seu ser, sendo a sua própria estrutura suficiente para garantir sobrevivência. Não é necessário buscar nada do lado de fora, sendo eles sujeitos e abrigos ao mesmo tempo.
Ao encontrar Nástienka, outra personagem sonhadora, no entanto, mais conectada à realidade, o narrador experimenta uma grande felicidade e chega a afirmar que perdera os melhores anos de sua vida isolando-se do mundo, preenchendo a sua imaginação de sonhos e refutando o real. Apesar do romance entre os dois não se concretizar, a simples oportunidade de se conectar verdadeiramente com outra pessoa e vivenciar o mundo real, parece ter sido suficiente ao narrador ?Meu Deus! Um momento de felicidade! Sim! Não será isso o bastante para preencher uma vida??. Por fim, pensei em quantas vezes, em virtude de preconceitos, nós deixamos de experimentar uma conexão com uma pessoa vista pela sociedade como ?excêntrica? e deixamos de proporcioná-la um momento genuíno de felicidade? O acolhimento, a escuta e a compreensão pode ser tudo que uma pessoa precisa e isso pode marcá-la profundamente, seja pela eternidade ou por um breve instante de tempo.