João 03/10/2022
Mrs Woolf e eu: uma história íntima
Virginia Woolf, enquanto figura mítica da literatura mundial, despertou meu interesse antes mesmo de que eu conhecesse algo da sua obra, na verdade, apesar disso. Lembro-me da primeira vez em que ouvi alguém falando sobre seu romance mais infiltrado na cultura pop, Mrs Dalloway, e do meu choque ao ouvir que se tratava de um livro que se passa num único dia (a rigor, em 14h). Imediatamente descartei a ideia de lê-lo, antecipando a monotonia pela forma e naquele momento eu era um leitor apegado à ansiedade pelos fatos.
Eu só cheguei até este livro após uma mudança interior profunda, que talvez não tivesse acontecido agora sem o agente catalizador do isolamento social restrito de 2020 (e nem de longe estou agradecendo por isto, trocaria todas as minhas experiências de leitura pós-pandemia pelo equilíbrio emocional que eu tinha antes desse período). A obra Woolfiana entrou na minha vida naquele ano como num chamado (leia-se intuição de leitor) e desde então enraizou-se além da estante, como só os nossos escritores preferidos conseguem fazer.
Na primeira vez que li Mrs Dalloway, eu estava passando por um dos períodos mais difíceis da minha vida, tanto em melancolia quanto em ansiedade, sendo quase impossível desassociar os afetos negativos da época com as personagens e atmosfera tão peculiares do romance. Ainda assim, reconheci que era um bom livro e merecia seu lugar de destaque na obra da autora. No Dalloway Day deste ano, minha intuição me levou a abrir estas páginas novamente e mergulhar de cabeça no dia de Clarissa Dalloway com o coração mais tranquilo e receber a experiência transformadora que é ler um livro realmente bom, daqueles que parecem feitos sob medida pra nós.
Criei uma relação afetiva com este livro e por isso mesmo não posso oferecer uma resenha crítica, faço uma resenha emocional por que só através dessa chave de leitura se consegue perceber a genialidade da obra. Uma leitura fria e impessoal se prende à forma e à primeira camada de enredo (a concepção já batida do duplo). Já a leitura com afeto desencadeia todos os reflexos da Clarissa e do Septimus que há em nós.
Clarissa é ansiedade de se reunir com gente, é o frio na barriga de reencontrar antigos amores, a inconformidade com nossa falta de controle e a alegria de reunir todos que nos são importantes. Septimus é a angústia de varrer o passado para debaixo do tapete e seguir a vida sem superar os traumas do passado e a amargura de não conseguir muda-lo.
Esses dois sou e eu, e somos nós, após passar tanto tempo isolado e restrito. Queremos festejar e reencontrar pessoas, mas temos que lidar com tudo que aconteceu nesse entremeio, quando nossa relação com o tempo, nossos interesses e prioridades mudaram.
É assim que um leitor se conecta com um livro de 98 anos, pois V deve ter tido um sentimento parecido a I Guerra, quando criou esses personagens, imprimindo sentimentos à prova do tempo de forma completamente despretensiosa.