Duda.Pescarolli 04/09/2023
Observações sobre cada conto
Nós matamos o cão tinhoso é uma coletânea de contos da literatura moçambicana da segunda metade do século passado, onde são ambientados cada um deles.
Apesar de ser uma ficção, há questões verídicas sobre a relação da sociedade moçambicana com os colonizadores sendo apresentadas de forma camuflada.
Pecebe-se várias facetas da exploração e dominação portuguesa, como a submissão do homens moçambicanos pelo medo de enfrentar o homens brancos, a violência, a pobreza, o racismo, e a esperança X desesperança do povo.
A escrita é muito envolvente, e é curiosa em relação a alguns termos que não são comuns do português brasileiro.
1° conto:
É narrado em primeira pessoa pelo garoto Ginho, por se passar pela visão de uma criança, há uma percepção bastente sensível e infantilizada em alguns momentos.
Várias vezes é retomada a descrição do cão tinhoso, que tinha olhos azuis, eram grandes e botavam medo, e era velho. Além disso, tem a história de que ele teria vindo de longe. Essa descrição pode simbolizar os colonizadores.
A única pessoa que gostava do animal era uma garota - a Isaura - que é dita como uma criança diferente e que ?faltava alguma coisa na cabeça?, isto é, alguém que não é normal no sentido de seu raciocínio/noção e só sendo assim para gostar do cão.
Se referem ao cão como tinhoso devido ao seu estado causar repugnância, e por isso os meninos são encarregados de matar ele.
Então os meninos se reúnem, armados, para cumprir a tarefa. Isso também carrega uma simbologia; de que são os jovens que têm a coragem de portar as armas, isto é, em uma revolução são eles que tem a coragem (enquanto os adultos já estão conformados), por isso serão aqueles que se livraram do cão tinhoso (o colonizador).
O Ginho, amedrontado por ser escolhido o primeiro a atirar, fica receoso em matar o cão, em vários momentos parece que ele vai se acovardar, mas cumpre o seu "dever".
2° conto:
Narrado em primeira pessoa por um dos filhos, descrevendo uma casa simples e como sua família grande é acomodada com dificuldade nela, por ser um espaço limitado para tantas pessoas.
A forma como a casa é descrita pode simbolizar a opressão que sofrem pelos colonizadores, no sentido que eles estão submetidos a condições tão incômodas e limitadas, que causa a sensação de que não há muito que possam fazer - "mover" - lá dentro para mudar a situação.
3° conto:
O idoso - Madala -, cansado, permanece calado diante da humilhação que sofre, apenas com uma raiva contida, fechando as mãos com força como se esmagasse uma planta, assim como faz quando está trabalhando. Representa a submissão do povo moçambicano, que oprimido e desgastado, não consegue lutar sequer por sua honra.
4° conto:
Um rapaz moçambicano, expulso de um estabelecimento, sendo espancado por um português. E ele não pode se defender, pois todos os outros que estavam lá eram brancos, e era como se estivesse sendo atacado por todos, mesmo que um único o batesse.
Simbolicamente ele apanhou de todos os opressores, pois estes se juntavam em liderança superior.
Oprimido, ele decide ir para casa para ver a Velhota e os miúdos - sua mãe e seus irmãos pequenos, onde poderia tomar consciência, novamente, de sua condição miserável e desesperançosa.
5° conto:
Narrado em primeira pessoa, novamente pelo Ginho, o menino do primeiro conto. Na pequena casa onde ele mora com a família entra uma cobre na capoeira e ela está matando as galinhas.
A cobra pode ser entendida como uma simbologia ao colonizador, isto é, ela é uma presença indesejada, traiçoeira, e que está matando as galinhas que estavam no local a princípio, consequentemente tirando forçadamente os bens de seus donos, os moradores da casa.
Há dois outros animais, o cachorro Totó (cachorro da família, com um nome inofensivo carinhoso) e o lobo (cachorro do vizinho português, com nome de predador/perigoso).
No final, Ginho vê seu pai rezando e nesse momento pergunta ao pai se ele acredita em Deus. O homem responde positivamente, e que tem de haver esperança.
Esperança essa que trata-se de ser, um dia, livre da condição de oprimido e opressor, ou seja, ele como moçambicano sendo dominado pelos portugueses.
6° conto:
Um garoto que tem a curiosidade sobre o porquê da palma da mão dos pretos serem brancas.
ele pergunta para sua mãe e ela responde: que Deus fez o preto, mas se arrependeu pois os brancos os tornaram escravos. (querendo dizer que Deus se ressente do sofrimento a que são submetidos), então como já não podia fazer todos brancos, fez com que apenas as mãos fossem claras, então tudo que fosse feito, seja por um branco ou por um preto, seria feito por mãos iguais.
Isso trata, mais uma vez, da relação do povo moçambicano com os colonizadores brancos, representando o racismo que existia. A fala da mãe do menino aponta que no final das contas todos são iguais, independente da cor, pois o que diferencia um homem de outro é o seu caráter e o como ele age, ou seja, como escolhe usar as suas mãos.
7° conto:
Esse conto mostra como um moçambicano prestes a ter suas coisas serem tomadas pelos portugueses.
Diante disso, no final, o narrador que escuta sobre a situação se incomoda consigo próprio e se pergunta como ele poderia estar acomodado em um bar desperdiçando seu tempo com coisas sem importância, enquanto acontecia tantas coisas no mundo ao seu redor.
Ele pensa que isso tem de mudar, sentindo uma súbita necessidade de agir contra o absurdo que ouviu.
Essa reação do narrador traz um ar de urgência, apontando que não se pode mais aceitar passivamente as condições que eram submetidos, ou seja, mais uma vez, desta vez com insatisfação, é retomanda a relação de oprimido e opressor que se baseava a vida dos moçambicanos em meio aos portugueses.
Assim como o vento, que dá nome para esse conto, simboliza a ação que faltava chegar para confrontarem os colonizadores.