Mariana 11/04/2021Primeiro, eu odiei. Depois, eu amei.O negócio é o seguinte: esse livro explodiu minha cabeça. Primeiro porque assim que eu terminei a leitura, eu tive certeza de que tinha odiado tudo. Porém, quando resolvi reunir minhas anotações e ponderar sobre a história, eu me vi amando esse livro.
ESTRUTURA E PROTAGONISTA
A minha principal ressalva com ele é a estrutura na qual a história é contada. Não temos uma história corrida, mas três "contos" que acontecem de 600 em 600 anos. Todos esses contos, separados em partes, são unidos por alguns "easter eggs" que a gente vai pescando conforme vai lendo.
Isso resulta em não termos um protagonista propriamente dito. Na minha interpretação, depois de entender qual era a linha que unia todas as partes, nosso protagonista nessa história pode ser a Abadia onde os monges vivem e também a Memorabilia que eles salvaguardam.
Além disso, eu também entendi que o grande objetivo do livro é mostrar que tudo é um ciclo. A história termina um pouco antes de onde começa, de certa maneira. Ela começa num mundo pós-apocalíptico, destruído por uma guerra nuclear, e ela termina com uma guerra nuclear em plena ação.
HISTÓRIA FRAGMENTADA
Outra coisa que é uma ressalva para mim, mas que pode ter um motivo, são as informações fragmentadas que recebemos durante o livro. O autor não nos entrega respostas para tudo, não entrega todas as informações que gostaríamos de receber e eu acredito que isso tenha acontecido porque o livro tem um caráter arqueológico.
Uma das primeiras cenas é o noviço Francis encontrando um abrigo nuclear do tempo da guerra e "escavando" o passado de quem tinha permanecido ali. Como mostrar o ciclo é o grande objetivo da história, precisávamos passar por muito tempo, então a fragmentação do passado, e a escavação dele sem certeza nenhuma, é algo que vai acontecer.
As informações que a história dá são só fragmentos.
Na primeira parte, a gente não descobre se a ossada era da Emily Leibowitz mesmo. Na segunda, a gente não recebe uma resposta de sobre quem era o peregrino/benjamin/lázaro, que também tinha aparecido na primeira parte, e que não aparece na terceira. Por que ele viveu tantos anos?
Isso poderia ser considerado como um erro da parte do autor, como falta de respostas da parte dele, mas para mim isso é só arqueologia. Os personagens vão descobrindo fragmentos da História e parece que o autor estava tentando trazer essa sensação para gente, de nunca saber mesmo o que significa uma parte de documento que a gente descobre ou uma lasca de cerâmica exposta num museu.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES:
- A primeira aparição do peregrino é genial porque faz todo um paralelo com Jesus no deserto encontrando a tentação e isso já dá o clima religioso da história.
- Eu não ficaria nem um pouco brava se o autor tivesse gastado todo o livro na exploração do abrigo nuclear com os personagens encontrando os fragmentos da vida do Leibowitz, inclusive eu queria ter tido mais vislumbres da vida do santo.
- Adorei a complexidade de um processo de canonização. Tem que ter um certo número de milagres, mas não pode ter demais. Tem que ser empolgado pelo "abençoado", mas não muito.
- A ressignificação de histórias bíblicas foi muito interessante. Em uma hora, eles fazem uma aproximação entre a arca de noé e as máquinas de guerra que eu nunca imaginei. Também tem mais tarde o relato do dilúvio de fogo, que é muito curioso também. Isso acaba mostrando uma própria ressignificação das crenças da igreja.
- A questão da simplificação da história é muuuuito interessante porque me parece um sentimento muito humano, de esquecer qualquer coisa dolorosa, ainda mais uma guerra. Tanto que é bem comum depois de períodos turbulentos, a sociedade querer se afastar, ter um escapismo, tipo os hippies e agora essa movimentação toda pelo cottagecore.
- Achei ótimo que muitas das relíquias são coisas matemáticas, diagramas de máquinas e isso é exposto como arte.
- Na segunda parte tem uma situação bem legal em que eles estão discutindo a física antiga, citam einstein e outros, e meio que duvidam de algumas coisas. Tipo, ele diz algo como "eles dizem que fizeram testes e experimentos, mas como?" e isso me lembrou muito de como a gente, hoje, duvida da ciência dos maias ou egípcios, por exemplo. Inclusive, existem tecnologias perdidas que a gente descobre depois de muito tempo que já existiam antes de alguém inventar. Teve uma história com roldanas, se eu não me engano. Elas foram inventadas num período, e depois em escavações, se descobriu que elas já eram usadas muito antes da "invenção".
- Eu percebi muito forte também a ideia de que a humanidade nunca vai estar pronta para aprender uma nova tecnologia e usar essa nova tecnologia para o bem. A gente sempre vai encontrar um jeito de transformar as coisas em armas. Por isso, a abadia segura tanto o conhecimento e os diagramas, porque eles sabem que a humanidade não é boa ainda, ainda não evoluiu e não merece esse conhecimento. Gostei do conceito, mas ao mesmo tempo traz aquela ideia da Idade Média de a igreja reter o conhecimento para si por ganância e não por proteção.
- A ideia de que a igreja sobreviveria todo esse tempo como uma instituição é bem aleatória para mim. Acho que faz sentido para o autor, estando na metade do século XX, quando a gente não tem as ideias que tem hoje, onde tem menos gente dando importância para religiões muito organizadas, meio que cada um tem sua crença customizada, mas eu acho bem difícil. Parece algo que se perderia fácil, ainda mais com a civilização voltando para tribos e sendo meio xamânicas, como tem partes que a história relata.
- No final, eu fiquei pensando nas palavras que o autor falou na nota do início, que essa é uma história sobre destruição, mas também sobre esperança. E tem uma frase que um dos abades diz, acho que na segunda parte, que o homem precisa ver tudo destruído para conseguir ter esperança. Algo no sentido de que só quando a gente se vê numa situação difícil é que a gente tem esperança, que ela não é algo que está sempre com a gente, mas só vem quando tudo está perdido. Achei curioso no contexto da história.
Enfim, esse é um livro que me surpreendeu e que não é para qualquer um. Você precisa estar disposto a pensar mais, a procurar mais, a refletir mais. Se você está buscando só um entretenimento para passar o tempo, esse não é o livro para você.
site:
http://marianabortoletti.com.br/blog