Alexandre Kovacs / Mundo de K 06/04/2011
Darcy Ribeiro - O povo brasileiro
Editora Companhia das Letras - 480 páginas - Capa de Hélio de Almeida - Lançamento de 20/04/1995.
A análise apaixonada e parcial de Darcy Ribeiro sobre as origens do nosso povo e a formação da nação brasileira se, por um lado, não segue o rigor científico dos manuais de antropologia e sociologia, por outro, estabelece um clima de cumplicidade e até mesmo de criação literária ao tentar responder à clássica pergunta: "por que o Brasil ainda não deu certo?". Ao explicar as diferenças e as particularidades regionais, a saber: a cultura crioula do litoral, cabocla da população amazônica, sertaneja do Nordeste, a caipira do Sudeste e sulista dos gaúchos, Darcy Ribeiro ocupa um papel fundamental na bibliografia nacional ajudando a combater um certo complexo de inferioridade que está enraizado em nossa história e cultura.
Os brasileiros, resultantes do encontro entre o pequeno grupo de invasores portugueses com os índios e negros africanos, representam uma nova etnia muito diferente das matrizes. A formação deste novo povo, não foi pacífica como costumamos atribuir à índole do brasileiro. No caso da assimilação da cultura indígena, o que ocorreu foi um verdadeiro genocídio em vários níveis, principalmente no biótico, inicialmente como uma guerra bacteriológica entre as moléstias que o branco trazia e eram fatais para a população indígena, depois pelas sucessivas tentativas de escravização do índio. O negro, principal força de trabalho do sistema econômico colonial, primeiro no engenhos de açúcar e depois nas minas, encontrava-se fraco e abandonado em sua nova terra com outros escravos, iguais na cor, mas diferentes na língua e, normalmente, vindos de tribos hostis.
Darcy Ribeiro resume excepcionalmente bem a formação da nossa identidade da seguinte forma: "A sociedade e a cultura brasileiras são conformadas como variantes da versão lusitana da tradição civilizatória europeia ocidental, diferenciadas por coloridos herdados dos índios americanos e dos negros africanos. O Brasil emerge, assim, como um renovo mutante, remarcado de características próprias, mas atado genesicamente à matriz portuguesa, cujas potencialidades insuspeitadas de ser e de crescer só aqui se realizaram plenamente. A confluência de tantas e tão variadas matrizes formadoras poderia ter resultado numa sociedade multiétnica, dilacerada pela oposição de componentes diferenciados e imiscíveis. Ocorreu justamente o contrário, uma vez que, apesar de sobreviverem na fisionomia somática e no espírito dos brasileiros os signos de sua múltipla ancestralidade, não se diferenciaram em antagônicas minorias raciais, culturais ou regionais, vinculadas a lealdades étnicas próprias e disputantes da autonomia frente à nação".
No longo caminho de feitoria escravista colonial até a posição atual de candidato a nova potência mundial com domínio da tecnologia de exploração em águas profundas dos reservatórios petrolíferos da camada do pré-sal, o nosso país vai seguindo as indicações de Darcy que nos considerava uma nova Roma tardia e tropical, lavada em sangue negro e índio. "Mais alegre , porque mais sofrida. Melhor, porque incorpora em si mais humanidades. Mais generosa, porque aberta à convivência com todas as raças e todas as culturas e porque assentada na mais bela e luminosa província da Terra".