Sheila 09/08/2013Resenha: "A filha da minha mãe e eu" (Mariana Fernanda Guerreiro)Por Sheila: Oi pessoas! Como anda a vida? Espero que tudo ok. Hoje vou apresentar para vocês mais um título nacional, romance de estreia da autora Maria Fernanda Guerreiro. Já no início, somos apresentados a alguma reticências ... afinal, Mariana é uma jovem em um relacionamento que descobre algo que vai mudar para sempre sua vida: ela será mãe.
Mas (palavra que inicia o romance) a alegria inicial abre espaço para muitas dúvidas. Mariana começa a se questionar e angustiar com a possibilidade de ser mãe, devido ao relacionamento nem sempre tranquilo que estabeleceu com a sua própria. Na verdade, nas palavras de Mariana, é necessário que ela se sinta filha antes de se tornar mãe. E esta talvez seja uma tarefa bastante penosa.
A partir do segundo capítulo, somos apresentados a Dona Helena, mãe de Mariana e Gustavo, por quem Mariana se sentiu, a vida inteira, preterida em detrimento de seu irmão mais velho, e incompreendida em suas tentativas de ser amada e cuidada em seus momentos de dúvida e conflito.
"A primeira vez que ouvi a palavra "cínica" foi da boca da minha mãe. E o que mais me surpreendeu: era para mim que ela estava dizendo. Eu tinha apenas 5 anos e nenhuma ideia do que aquilo significava.
- Alô? Oi, é a Helena. Olha, nós não vamos mais para aí por que aconteceu um acidente ... é ... um louco bateu no carro do Tito e a gente não vai mais ... alô, só um minuto ... - minha mãe disse impaciente ao telefone.
De repente, ela tapou o bocal e olhou para mim.
- Deixa de ser cínica, Mariana! Levanta já dai e para de drama, se não vou te dar um motivo de verdade para chorar ... - e voltou a conversar no telefone enquanto eu engolia meu choro deitada no sofá da sala."
Desde pequena, de incompreensão em incompreensão, cada vez mais vemos a história de Mariana e Helena, mãe e filha, se entrelaçar e distanciar. É como se houvesse um ruído muito grande na comunicação das duas, a ponto de não conseguirem entender o que uma tenta comunicar à outra.
Decepções, expectativas exageradas, palavras não ditas, vão recheando este espaço cada vez maior que se instaura entre as duas. Enquanto Mariana conta como foi crescer sendo duas ao mesmo tempo - ela, e quem sua mãe parecia acreditar que ela fosse - Mariana também vai nos contando a história de seus pais, como a infância de ambos foi determinante para que adotassem determinadas atitudes. E como era difícil para sua mãe ser Mãe, por também não ter podido ser filha de sua mãe.
"- Pecado é trair o marido como ela fez! Pecado é ser perdoada e depois trair meu pai de novo! Pecado é fazer tudo isso na própria cama e ser pega em flagrante pelo marido! Pecado foi o meu pai ter atirado no amante daquela senhora, que se diz minha mãe, e ter sido preso! Pecado é essa mulher ter fugido e largado os três filhos enquanto meu pai estava na cadeia por causa dela! (...) Pecado foi ter sido criada por uma família que não era a minha e que me fazia de empregada quando eu tinha só 4 anos ..."
Helena precisa carregar um enorme tonel de situações mal resolvidas da infância com sua mãe, o que, para Mariana, parece ser determinante na maneira como as duas se relacionam: competindo pelo amor de seu pai, enfrentando as interpretações e explosões de sua mãe, além do tratamento diferenciado que sente em relação a seu irmão.
"- Tem mais suco no copo dela - apontou Guga para o meu suco de laranja.
- Não tem não! Você pôs mais suco no copo dele - respondi.
- Então, pões seu copo do lado do meu para ver - disse meu irmão enquanto arrastava o copo até o meu.
- Tá vendo, tem quase um dedo a mais no seu copo, Guga. Põe mais pra mim mã...
Não tive tempo de acabar a frase. De repente, ela segurou meu queixo, ergueu minha cabeça e despejou toda a jarra de suco pelo minha goela abaixo. O Guga ficou mudo. Eu, atônita. Minha mãe saiu da cozinha braba.
Não conseguia nem respirar. Passado o susto, comecei a chorar. Alguns minutos depois, minha mãe voltou a cozinha. Nós dois ainda estávamos paralisados. Pensei que ela fosse se desculpar, me colocar em seu colo e dizer o que tinha acontecido. Mas em vez disso, ela disse taxativa.
- De agora em diante, um reparte e o outro escolhe. E cada um para o seu quarto agora! De castigo!"
Vamos então assistindo ao desenrolar destes acontecimentos, o passar dos anos, e descobrindo o por que de algumas situações sendo como são, mas principalmente vendo o amadurecimento de Mariana, como fez para crescer sendo a filha de sua mãe - e não ela mesma - e os conflitos que adviram daí. Será que Mariana conseguirá "fazer as pases" com seu passado para poder usufruir do seu futuro?
O romance é narrado em primeira pessoa, mas nem por isso deixa de perder seu encanto. É escrito em uma linguagem super acessível, o que não inviabiliza que a estória seja contada de forma belíssima. São poucos os títulos desse gênero que me chamam a atenção, mas confesso que este me emocionou às lágrimas. A sensibilidade por trás das frases, o encadeamento sutil entre os fatos e sentimentos faz com que o livro vá muito além do que se espera.
Além disso, o desfecho me surpreendeu, esperava algo mais clichê, mas a autora realmente conseguiu transformar o fim em apenas um breve intervalo na história de duas pessoas que se conhecem, (re) conhecem e constroem diferentes começos. Recomendo.
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