Tribo do Livro 17/08/2012
Desejos Sexuais
Resenha por Ver Sobreira
Muito antes de Cinquenta tons de cinza, houve Madame Bovary, de Gustave Flaubert, grande obra do Realismo francês do século XIX, que pode não ser tão intensa com o primeiramente citado, porém avançado em termos de erotismo para sua época; e ainda O amante de Lady Chaterly, de D. H. Lawrence, publicado nos primeiros anos do século passado(1928), que por conter forte conteúdo de conotação erótica, não foi editado pela primeira vez em seu país de origem, a Inglaterra. Depois desses, muitos autores famosos navegaram por este tema, até Anne Rice que em 1983, publicou esta polêmica trilogia baseada no conto de A Bela Adormecida.
Segundo Bruno Bettelheim por mais que variem os detalhes, o tema central de todas as versões de A Bela Adormecida é que, apesar de todas as tentativas da parte dos pais para impedir o despertar sexual do filho, ele inevitavelmente ocorrerá. Em Os desejos da Bela Adormecida, Anne Rice, escrevendo como A.N Roquelaure faz muito mais que isso, pois além dela causar uma desconstrução total da história contada e recontada ao longo de séculos, ela o sobrecarrega com uma carga psicológica intensa e continua.
Num reino distante, uma princesa dorme, diz a lenda que já faz 100 anos, por conta dela todo seu reino adormeceu. Chega um príncipe, que não acreditava nesse fato, e ele se depara com a beleza em pessoa, com seu ar angelical em seu mais profundo estado de sono. Até aqui, a história poderia ser a mesma, porém a partir do momento e da maneira como o príncipe despertar Bela, chegamos a detalhes mais profundos. O príncipe desperta a princesa através da iniciação sexual e ela desabrocha e acorda seu mundo, em todos os sentidos. Por este ato, as exigências do príncipe são nada mais, nada menos que Bela vá para seu reino, como uma espécie de tributo. Chegando lá, Bela passará de princesa mimada, a querida e escrava sexual do príncipe, servirá a todos os seus caprichos, será uma submissa.
(...) Levarei Bela para me servir - informou o príncipe - Ela é minha agora. (...)
O rei apertou os lábios resignado, e concordou lentamente com um movimento de cabeça. (...)
A partir daí o conto de fadas se tornar uma narrativa no mais puro estilo BDSM, (bondage,dominação,sadismo e masoquismo), também conhecido como Parafilia – um padrão de comportamento sexual, cujo o prazer, não se encontra exatamente na cópula, mas em outras atividades. Em determinadas situações este tipo de comportamento é considerado perversão ou anormalidade. Prepare-se para este livro então, pois Anne Rice, em nenhum momento da narrativa teve pudor para descrever as relações e atitudes do príncipe para com Bela.
Em diálogos fortes, atitudes diretas, ações por vezes até perversas para certos ponto de vista, a história se desenrola e Bela vai aprendendo de forma intensa, obscura e ao mesmo tempo prazerosa os segredos da submissão, os deveres de uma escrava sexual para com seu mestre dominador. Ela terá que se desprender de todo seu pudor, terá que se expor, será humilhada, mas aprenderá a ter autocontrole sobre as sensações de seu corpo, aprenderá os "benefícios" do prazer intenso. Antes de chegar ai , ela conhecerá Alexi e Tristan, dois jovens príncipes, na mesma situação que ela, ou seja, também escravos sexuais. Com Alexi, ela aprenderá a aceitar a condição de escrava, sem nunca perder o sentido de realeza que a condição de seu nascimento impõe. Alexi contará seu próprio martírio, para que Bela se sinta mais cômoda e possa superar seu infortúnio ou seu bel-prazer, isso iremos tentar descobrir. Com Tristan, não será diferente, porém nascerá um algo mais entre eles. Mas, a partir do relacionamento dos três, muitas transformações acontecerão na vida de Bela e ela passará de querida do Príncipe daquele reino, a uma perdida e será vendida, juntamente com Tristan para um sultão, como uma espécie de punição com dias contado.
Desconcertante, intensa, instigante, sombria e pervesa esta é a narrativa que Anne Rice constrói em Os desejos da Bela Adormecida. Não é um simples ensaio sobre dominação e submissão, e sim, um perfeito apanhado de onde determinadas práticas sexuais levam o ser humano, porém não há como negar, não é leitura recomendada para qualquer pessoa, principalmente aquelas que tenha preconceitos e tabus enraizados, pois Rice faz questão de quebrar todos eles.Ao final Bela apesar de torna-se uma submissa e também escrava de seus próprios desejos e de seu dominador não perde a doçura. Na longa viagem de punição que fará, encontrará em Tristan um apoio, muita além das práticas sexuais.
Como prova de desconstrução do conto de fadas, a narrativa nos apresenta diversas conotações, uma delas seria o sonho adolescente de juventude e perfeição com afirmaria Bettelheim, isto não passa de um sonho. Há outras imposições na vida que precisam e devem ser apreciadas. O que permanece do conto original é a certeza da transmutação do ser, ao estar adormecida, congelada no tempo por 100 anos, a princesa perdeu as principais transformações ao longo do tempo. Quando despertada, ela deve desabrochar, se modificar e desenvolver.É a afirmação de que qualquer transição, de um estado a outro é repleto de perigos, no caso desta narrativa é ultrapassar mesmo que incosncientemente o medo do prazer, de se sentir pleno e confiante através do sexo.
Agora, é ler A Punição da Bela, e ver como será este caminho de descobrimento e sofrimento da princesa. Não tenho como recomendar ou não recomendar este livro, pois é um tipo de história que depende da cabeça de quem lê. O que posso afirmar é que, se decidir a lê-lo, prepare-se para se chocar e ir ao encontro do totalmente inesperado, se você se rende fácil rsrs...Particularmente não sou fã e nem deixou de ser de Anne Rice, o que me levou a ler este livro – e ainda vou ler os outros dois – foi minha curiosidade e constância em observar e tentar entender a desconstrução de gêneros literários – coisa que Anne Rice faz com muita destreza e segurança, pois notem, este livro é original de 1983, e não pode ser enquadrado em modismos literários – que neste caso, passou do conto de fadas ao um conto totalmente erótico, sensual e sexual. Aguardem, se têm coragem de ler.
Referências Bibliográficas:
BETTELEHEIM, Bruno. A Bela Adormecida .In: A psicanálise dos contos de fadas. Editora: Paz e Terra: 2012. p-311-324