Regis 05/06/2023
Uma torrente de emoções conflitantes...
O livro inicia com uma história simples, Medo de Cair, mais que denota sentimentos que todos temos as vezes; o medo de arriscar, medo do futuro, do desconhecido e sobretudo o medo de fracassar... algo que faz qualquer um se retrair e congelar.
Depois, na história A Canção de Orfeu, temos o vislumbre de uma dor que todos nós conhecemos muito bem (quem ainda não conhece com certeza vai conhecer em algum momento), a dor da perda: Inesperada e inevitavelmente, essa dor tem o poder de transformar para sempre qualquer pessoa com a enorme devastação que ela provoca. Ela é tão profunda, que Orfeu parece anestesiado. Nem as bacantes de Dionísio despedaçando seu corpo parece lhe fazer voltar a sentir algo... Talvez a dor física seja bem vinda para afastar o imenso vazio que ele sente.
Tenho que destacar Espelhos Distantes: Ramadã, onde é contada uma história que alude As Mil e Uma Noites, com arte e cores maravilhosas; tive que rever algumas vezes para conseguir absolver toda a beleza contida naquelas páginas.
O livro também traz um outro arco muito intrigante, Fim dos Mundos onde alguns personagens ficam presos em uma estalagem esperando o temporal passar. Eu adoro essa premissa de pessoas estranhas isoladas em um lugar qualquer aguardando alguma intempérie passar e enquanto isso vão compartilhando histórias e revelando partes importantes de si mesmas umas para as outras. Aqui é executada com mestria pelo autor.
Sandman fala de sentimentos tão profundos que as vezes é impossível se desviar da torrente de emoções que as palavras do autor despertam... Uma vida, uma morte, uma poesia, um medo, o simples desejo de encontrar alguém ou de desaparecer e não ser encontrado, a dor de um grande amor desfeito, a solidão, a vontade de caminhar na chuva e permitir que as lágrimas caiam sem que ninguém perceba a profusão dos sentimentos contidos em cada uma delas; são temas tão presentes no emaranhado das palavras do texto de Gaiman que torna difícil não se sentir envolvido por algum deles e se perder em pensamentos durante a leitura. Uma sensação de desolação vai começando aos poucos até nos atingir em cheio e evoluir para um sentimento de vazio existencial onde somos obrigados a lidar com tudo que mantinhamos guardado no lugar mais profundo do nosso ser.
A forma que a fantasia lírica e adulta de Gaiman, com a mistura de mitologias modernas e ancestrais na qual dramas históricos, ficção contemporânea e lendas são costurados com perfeição; não só é atraente como consegue ser perturbadora.
A escrita do autor é sombria, épica, poética e encantadora.
Minha personagem favorita nessa edição (após o próprio Morfeus, é claro!) é Delirium: ela é tão pequena e indefesa, seus pensamentos são tão confusos, suas emoções são tão conflitantes, ela parece tão perdida e indecisa, tão sensível e vulnerável que é quase impossível não desejar abraçá-la e protegê-la.
Nesse terceiro volume a história de cada um dos perpétuos é melhor desenvolvida, após terem sido apenas apresentados no primeiro volume. A existência confusa, porém fascinante de Delirium é maravilhosa de acompanhar... Ela é simplesmente apaixonante!
Os relatos contidos nesse livro nos aproximam mais dos personagens, principalmente do Sonho, o Lorde Moldador que se mostra mais sensível e humano que em qualquer outra história que eu tenha acompanhado até agora.
Sandman é uma leitura que no início parece simples, mas que ao mergulhar mais fundo nesse universo e se deixar levar torna-se muito difícil conseguir sair sem se sentir impactado de alguma forma.
Recomendo muitíssimo a todos essa maravilhosa leitura.