spoiler visualizarLuiza 06/09/2020
Quotes
"Ao contrário, não se deve de jeito nenhum esquecer aquilo. Não se devem esquecer os velhos de corpos estragados, os velhos que estão pertinho de uma morte em que os jovens não querem pensar (por isso confiam ao asilo o cuidado de levar seus parentes, sem escândalo nem aborrecimentos), a inexistente alegria dessas derradeiras horas que deveriam ser aproveitadas a fundo e que são padecidas no tédio, na amargura e na repetição. Não se deve esquecer que o corpo definha, que os amigos morrem, que todos nos esquecem, que o fim é solidão. Esquecer muito menos que esses velhos foram jovens, que o tempo de uma vida é irrisório, que um dia temos vinte anos e, no dia seguinte, oitenta. Colombe acha que podemos ?nos apressar para esquecer? porque para ela ainda está muito longe a perspectiva da velhice, é como se isso jamais fosse lhe acontecer. Mas entendi muito cedo que uma vida se passa num tempinho àtoa, olhando para os adultos ao meu redor, tão apressados, tão estressados por causa do prazo de vencimento, tão ávidos de agora para não pensarem no amanhã... Mas, se tememos o amanhã, é porque não sabemos construir o presente e, quando não sabemos construir o presente, contamos que amanhã saberemos e nos ferramos, porque amanhã acaba sempre por se tornar hoje, não é mesmo?
Portanto, não devemos de jeito nenhum esquecer aquilo. E preciso viver com essa certeza de que envelheceremos e não será bonito, nem bom, nem alegre. E pensar que é agora que importa: construir agora, alguma coisa, a qualquer preço, com todas as nossas forças. Sempre ter na cabeça o asilo de idosos a fim de nos superarmos a cada dia, para tornar cada dia imperecível. Escalar passo a passo nosso próprio Everest e fazê-lo de tal modo que cada passo seja um pouco de eternidade.
O futuro serve para isto: para construir o presente com verdadeiros projetos de pessoas vivas."
"É sempre um milagre. Todas aquelas pessoas, todas aquelas preocupações, todos aqueles ódios e todos aqueles desejos, todos aqueles desesperos, todo aquele ano de colégio com suas vulgaridades, seus acontecimentos menores e maiores, seus professores, seus alunos heterogêneos, toda essa vida em que nos arrastamos, feita de gritos e lágrimas, risos, lutas, rupturas, esperanças desfeitas e chances inesperadas: tudo desaparece de repente quando os coristas começam a cantar. O curso da vida se afoga no canto, há uma impressão de fraternidade, de solidariedade profunda, de amor mesmo, e isso dilui a feiura do cotidiano numa comunhão perfeita. ... Vejo seres humanos que se entregam ao canto. É sempre a mesma coisa, tenho vontade de chorar, fico com a garganta apertada e faço o possível para me controlar, mas às vezes chego ao limite: mal consigo me reter para não soluçar. Então, quando tem um cânone, olho para o chão, porque é muita emoção ao mesmo tempo: é muito bonito, muito solidário, muito e maravilhosamente comunicante. Não sou mais eu mesma, sou uma parte de um todo sublime a que os outros também pertencem, e nesse momento sempre me pergunto por que não é essa a regra do cotidiano em vez de ser um momento excepcional de coral.Quando o coral pára, todos batem palmas, com o rosto iluminado, e os coristas radiantes. É tão bonito.Finalmente, fico pensando se o verdadeiro movimento do mundo não seria o canto."
"Que faz a Arte por nós? Ela dá forma e torna visíveis nossas emoções, e, ao fazê-lo,apõe o selo de eternidade presente em todas as obras que, por uma forma particular, sabem encarnar a universalidade dos afetos humanos.O selo da eternidade..."
"A beleza se perdoa tudo, até mesmo a vulgaridade. A inteligência deixa de parecer apenas uma justa compensação das coisas, algo como um reequilíbrio que a natureza oferece aos filhos menos favorecidos, e fica parecendo um brinquedo supérfluo que realça o valor da joia. A feiura,em compensação, já é sempre culpada."
"O gato neste mundo
Esse totem moderno
E, por intermitência, decorativo
Pelo menos, na nossa casa é assim. Se vocês querem compreender nossa família, basta olhar para os gatos. Nossos dois gatos são gordos odres que comem croquetes de luxo e não têm nenhuma interação interessante com as pessoas. Arrastam-se de um sofá para outro, deixando pelos por todo lado, e ninguém parece ter entendido que eles não têm o menor afeto por quem quer que seja. O único interesse dos gatos é que são objetos decorativos móveis, um conceito que acho intelectualmente interessante mas que não se aplica aos nossos por terem a barriga grande demais."
"Porque os maus de verdade detestam o mundo inteiro, sem dúvida, mas sobretudo a si mesmos."
"Então, é assim? De repente, todos os possíveis se apagam? Uma vida cheia de projetos, de conversas apenas começadas, de desejos nem sequer realizados, apaga-se num segundo e não tem mais nada, não há mais nada que fazer, não se pode voltar atrás?Pela primeira vez na vida senti o significado da palavra nunca."
"Afinal, sempre temos a ilusão de que controlamos o que acontece; nada nos parece definitivo."
"O que faz a força do soldado não é a energia que ele concentra ao intimidar o outro,enviando-lhe um monte de sinais, mas é a força que ele é capaz de concentrar em si mesmo, ficando centrado em si mesmo."
"Considero que meu destino me ensinou, melhor que a ninguém, a resistir às sugestões negativas do pensamento mundial."
"Tenho medo de ir a mim mesma e de ver o que acontece ali dentro. Tenho vergonha também."
"Nunca vemos além de nossas certezas e, mais grave ainda, renunciamos ao encontro, apenas encontramos a nós mesmos sem nos reconhecer nesses espelhos permanentes. Se nos déssemos conta, se tomássemos consciência do fato de que sempre olhamos apenas para nós mesmos no outro, que estamos sozinhos no deserto, enlouqueceríamos."
?Como sempre, sou salva pela incapacidade dos seres humanos de acreditar naquilo que explode as molduras de seus pequenos hábitos mentais.?
?Então não vamos gastar todas as nossas forças para nos convencer de que há coisas que valem a pena e de que é por isso que a vida tem um sentido.?
?Escalar passo a passo nosso próprio Everest e fazê-lo de tal modo que cada passo seja um pouco de eternidade.?
?Quando as máscaras caem, porque surge uma crise ? e entre os mortais ela sempre surge, a verdade é terrível.?
?Viver, morrer: são apenas consequências daquilo que se construiu. O que me conta é construir bem. Então, pois é, me impus mais uma obrigação. Vou parar de desfazer, de desconstruir, vou começar a construir.?
?Ai, ai, ai, pensei, será que isso quer dizer que é assim que temos de viver a vida? Sempre em equilíbrio entre a beleza e a morte, o movimento e seu desaparecimento. Estar vivo talvez seja isto: espreitar os instantes que morrem.?
"Ele terá visto as alamedas? Como se nasce, depois de se ter caído? Que pupilas novas em olhos calcinados? Onde começa a guerra, e onde cessa o combate?
Então, uma camélia."
?Estou curado, quer dizer, acho que estou curado?, ele diz, ?se é que realmente a gente se cura um dia."
"Em todo o caso, o que é certo é que não posso cuidar de mim punindo aqueles a quem não posso curar."
"Toda aquela chuva, ah, toda aquela chuva... Na moldura da porta, imóvel, os cabelos grudados no rosto, o vestido encharcado, os sapatos cobertos de lama, o olhar parado, estava Lisette. Como minha mãe soubera? Como essa mulher que, embora não nos maltratasse, jamais dera a entender que nos amava, nem com gesto nem com palavra, como essa mulher rude que dava à luz seus filhos da mesma maneira que revirava a terra ou alimentava as galinhas, como essa mulher analfabeta, embrutecida a ponto de nunca nos chamar pelo nome que nos dera e que duvido que ela ainda lembrasse, soube que sua filha semimorta, que não se mexia nem falava e olhava fixo para a porta sob a chuva torrencial sem sequer pensar em bater, esperava que alguém abrisse e a fizesse entrar no calor?
Será isso o amor materno, essa intuição no coração diante do desastre, essa fagulha de empatia que permanece mesmo quando o homem está reduzido a viver como um bicho?"
"E pensei: se a gente pode fingir ignorar que tem a mão direita, o que mais se pode fingir ignorar? Será que a gente pode ter um coração negativo, uma alma no vazio?"
"De início, fiquei supercontente comigo mesma. Tinha conseguido fazê-lo se mexer. Mas, à medida que o dia passava, me sentia cada vez mais deprimida. Porque o que aconteceu quando ele se mexeu foi algo muito feio, muito sujo. Por mais que eu saiba que existem adultos que têm máscaras doces e sensatas, embora por baixo sejam feios e muito duros, por mais que eu saiba que basta furá-las para que as máscaras caiam, quando isso acontece, com essa violência, me dói muito. Quando ele bateu na pasta de couro, isso queria dizer: ?Muito bem, você me vê tal como sou, inútil continuar a comédia, vamos parar por aqui com esse seu pactozinho desgraçado, e caia fora do meu pedaço, rapidinho?. Pois bem, isso me doeu muito, sim, me doeu. Por mais que eu saiba que o mundo é feio, não tenho vontade de vê-lo.
Sim, deixemos este mundo onde o que se mexe revela o que é feio."
"amar não deve ser um meio, deve ser um fim."