Nikita Chrysan 29/06/2013
O Soldado Exilado e a Missão da Arconte
Algum dia você já se imaginou fazendo parte das grandes batalhas da humanidade? Das guerras e conflitos internacionais que encheram a história do século XX? E o que você se tornaria se tivesse que passar por todo esse universo de acontecimentos, e observar o quanto é ínfima a vida de um ser humano, sabendo que o companheiro ao seu lado pode não sobreviver ao próximo ataque? É para esse passado tão presente que Eduardo Spohr nos leva em seu último livro, Filhos do Éden – Anjos da Morte.
Segundo livro da série Filhos do Éden e novo exemplar dentro do universo de A Batalha do Apocalipse, Anjos da Morte dá continuidade a história de seu predecessor, Herdeiros de Atlântida, contando o passado de Denyel, o querubim exilado que durante séculos precisou viver na Terra e se misturar a raça humana, adquirindo seus costumes e lutando suas guerras, sem poder interferir, sem poder ajudar, e tornando-se ele mesmo mais humano do que poderia sequer imaginar.
Para poder observar e registrar a história humana, em uma época que o tecido da realidade não permitia aos anjos a plena observação dos acontecimentos terrenos, os Malakins, anjos vigilantes responsáveis pela documentação dos séculos e manutenção do conhecimento na grande biblioteca celeste, ganharam permissão para coordenar um grupo de guerreiros que permaneceram entre os humanos para observar seu cotidiano. Este grupo ficou conhecido como o esquadrão dos Anjos da Morte, e seus integrantes passaram a carregar o título de anjos Exilados, sendo os únicos celestes com permissão para atuar na Haled (Terra), com exceção apenas da casta dos Elohins.
Sendo esse o contexto principal do livro, e tendo Denyel como o personagem escolhido para nos mostrar o dia a dia desses anjos, o leitor pode experimentar a história a partir da visão de um guerreiro que deve seguir ordens, mas ao mesmo tempo busca preservar o mínimo da honra e de seus próprios valores. Sendo um querubim ele deve seguir ordens, mas para isso terá que abrir mão de muitos dos próprios ideais, e infelizmente deixar de lado seus desejos de lutar grandes batalhas, com todos os louros e virtudes de um duelo justo e glorioso. Com o passar do tempo Denyel vai se tornando mais humano, experimenta nossas dores e fraquezas, compartilha de nossas escolhas e medos, e sente as necessidades pelas quais o corpo e a carne tanto clamam. As lutas já não mais saciam o espírito, a bebida não mais completa o dia e o futuro não tem mais o seu brilho, e a vida passa a mostrar que a solidão não é mais uma escolha, mas um castigo.
Porém não é apenas de história que o livro é regido. Entre os capítulos com o passado de Denyel, Spohr nos apresenta o presente de Kaira. Ishin da província do fogo e arconte do Arcanjo Gabriel, Kaira se vê responsável por liderar uma importante missão secreta dada a ela pelo próprio líder, cujo resultado pode mudar completamente o rumo da guerra no céu e a própria existência dos anjos. No entanto, presa entre a vontade e o dever, ela acaba por adiar essa missão, e ao lado de seu velho companheiro Urakin e o novo integrante Ismael, se lança em uma jornada em busca da segunda cidade perdida desde a época do grande dilúvio, Egnias do Império Atlante.
Durante a busca pela cidade o coro se depara com incríveis mistérios perdidos e esquecidos pela humanidade, templos e construções grandiosas, lendas, mitos e crenças que jamais imaginariam tomar parte, bem como locais que antes já foram alcançados, mas que foram escondidos ou perdidos, talvez por vontade de uns, ou pelo desaparecimento súbito de outros.
De Londres ao Nepal, da Índia ao escaldante deserto africano, não importa o perigo e as provações, Kaira busca Egnias incansavelmente. A celeste precisa seguir em frente, para alcançar a cidade e encontrar o rio Oceanus, para obter respostas, para localizar um companheiro e poder então seguir com sua missão, para cumprir uma promessa... para salvar Denyel.
O mais interessante em Filhos do Éden – Anjos da Morte é a forma com que somos presos ao livro no decorrer de cada página, e como nos vemos e compreendemos as dores e anseios dos personagens. Kaira é uma celeste que por um tempo achou que era humana, por isso experimentou sensações que ainda não sabe se são genuinamente suas ou não, e agora precisa comandar uma equipe que se desviou da missão inicial em prol de alguém que a alguns meses nem mesmo conhecia. Denyel é um guerreiro preso a missões suspeitas e mortais, que podem não somente ferir o corpo, mas acima de tudo sua mente e espírito, que por fim optou por se afastar de tudo e de todos, mas com a destreza de quem preservou coragem de se sacrificar em nome de alguém.
Eduardo Spohr não só nos mostra simultaneamente o que acontece em cada momento, mas também nos deixa ansiosos por cada capítulo que virá em seguida. Por várias vezes virei a página do livro querendo ver a continuação dos acontecimentos de Denyel, mas acabava com raiva por ver que a história falava de Kaira, porém ao final do mesmo capítulo, já estava ansiosa por saber o que aconteceria com a mesma, e me via novamente irritada ao perceber que em seguida o livro falaria novamente de Denyel. Creio que isso se deve a ótima forma de escrita com o qual o livro é feito, tendo o poder de prender o leitor a cada capítulo como se este fosse único, mas sem perder o sentido de um todo.
Acima de qualquer crítica frente a ideologias e culturas, a crenças e religiões, Anjos da Morte segue o padrão dos livros anteriores e mostra um mundo múltiplo e dinâmico, vasto e heterogêneo. Adicionando a este os acontecimentos históricos, vemos não só soldados lutando guerras e se transformando em apenas números e estatísticas. Vemos pessoas, amigos e familiares que em um momento estão confraternizando, e em outro precisam contabilizar seus mortos. Vemos um país receber de volta seus filhos sobreviventes, com o pesar de quem perdeu tantos outros, mas onde ao mesmo tempo o retorno de muitos não significou descanso e paz, mas apenas uma pequena pausa antes que novas missões e tormentas se fizessem presentes.
E assim entendemos que no fundo a culpa é nossa. Fomos agraciados com a vida na Terra, ao lado dos amigos e da família, mas acabamos olhando mais para o que o outro possui, e por isso lutamos, guerreamos e nos matamos. Mas sem glória mesmo nas vitórias, pois destruímos apenas a nós mesmos, e diferente dos celestes regidos pelo dever da casta, matamos uns aos outros e o planeta com a escolha que o livre arbítrio da humanidade nos oferece.