spoiler visualizarMauricio109 24/05/2021
Leitura penosa
A primeira coisa que me incomodou durante a leitura, foi a forma insistente do autor em nos fazer lembrar que Isaura é infeliz. Não raramente há parágrafos extensos cheios de palavras que nos relembra dessa condição de coitada em que a protagonista se encontra, que lá pela metade do livro já começa a incomodar.
E segunda coisa (e a principal), é a própria Isaura. Totalmente passiva a tudo o que acontece em volta dela, a personagem é uma legítima donzela em perigo. A história inteira se desenvolve graças às ações dos personagens secundários, que são a única coisa que salvam o livro, por serem infinitamente mais interessantes, mesmo que pouco explorados.
Isaura, por si só, apenas existe respondendo aos eventos que acontecem em sua vida. Sem nenhum desenvolvimento de personagem, ela começa e termina o livro do mesmo jeito. Em sua última ação dentro do livro, Isaura está aos pés de Álvaro (como sempre esteve, porém agora de forma literal), implorando misericórdia por Leôncio, que a maltratou o livro inteiro e referindo-se a si mesma (mais uma vez) como "esta infeliz escrava". E é Álvaro quem tem que pedir para que ela se levante. Em um livro onde os personagens secundários são pouco trabalhados, ter a protagonista tão pouco trabalhada quanto, é insatisfatório. Me deu a impressão de que independente do que aconteça, Isaura sempre será submissa e incapaz de tomar um escolha sem um empurrãozinho de alguém.
Não posso esquecer também de citar como Belchior é tratado pelo autor e por todos os personagens de forma horrível. Sendo portador de deficiência, é descrito como um monstro (ou homúnculo, como o autor gosta de chamar). E em certo momento, quando Isaura é obrigada a casar-se com ele, o coitado é ofendido por todos os lados durante a escrita. Como se o triste não fosse Isaura ter que casar contra a vontade dela, mas sim com Belchior, por mais doce e amigável que o personagem tenha se mostrado durante o livro. E até as últimas partes ele é tratado assim, como um castigo; um artifício para nos fazer ter pena de Isaura. E sim, muitas obras (como O Corcunda de Notre Dame e As Crônicas de Gelo e Fogo) tem personagens com deficiência sendo tratados como lixo por outros personagens, mas é aí que A Escrava Isaura peca, porque, diferente das obras citadas, Bernardo Guimarães em nenhum momento nos estimula a ter compaixão por Belchior. Ele existe na obra para servir como uma punição e é totalmente jogado para escanteio nas páginas finais, com os personagens tendo nojo dele e o autor o chamando de homúnculo outra vez, enquanto ele mesmo nem sequer tem um diálogo (ou uma descrição do que ele está achando daquilo tudo acontecendo em sua volta).
Sei que minha reclamação a respeito de Belchior é um tanto irrelevante levando em consideração o ano em que a obra foi escrita (1875), mas de qualquer forma afetou demais meu julgamento quanto ao livro, se é que minha opinião sobre Isaura já não fosse o suficiente para eu dar a nota que dei.