Gabi 23/03/2012
Colcha de Retalhos
"Quem parte de um lugar tão pequeno, mesmo que volte, nunca mais retorna" (Mia Couto, escritor moçambicano).
...A sensação ao ler Retalhos é a mesma de abrir aquela gaveta ou caixa esquecida, em que são guardadas fotos, cartas, papéis, pequenos objetos, desenhos de um tempo passado. Se, por acaso, você não possui nenhum lugar físico onde entulhe essas pequenas relíquias, se livrou-se de tudo, talvez seja como visitar a região da memória de onde dificilmente conseguirá apagar tais vestígios.
...O autor narra partes de sua própria infância, adolescência em uma pequena cidade de Wisconsin, nos Estados Unidos, e início da vida adulta, depois de partir de lá. É praticamente um romance de formação (não pude deixar de lembrar de "O Retrato do Artista Quando Jovem", de James Joyce) em quadrinhos. Como também o é "Persépolis", de Marjane Satrapi.
...Craig cresce rodeado pelo imaginário "fundamentalista" cristão, visão de mundo que o educa e ajuda a construir quem é. Mas não sem uma enorme dose de conflitos, culpas e ressentimentos. Principalmente após conhecer Raina, seu amor de adolescência, que traz novas descobertas e põe por terra muitas certezas anteriores.
...A HQ também retrata as relações familiares, imperfeitas e complicadas. Enfocando a relação de Craig e seu irmão, tão próximos na infância e o posterior afastamento dos dois. Toca na questão do abuso sexual que sofrem. E, maravilhosamente, fala da paixão pelo desenho, que acompanha o autor desde menino e permite a criação dessa graphic novel.
...Então chega o momento, após terminar o que para nós é o ensino médio, em que Craig deve decidir o que fazer da vida. Seguir a recomendação do pastor da sua igreja e ir para o seminário? Ou ousar se recriar e buscar outros caminhos?
...Para quem, de alguma forma, já deixou para trás o lugar que o gestou, ou um amor, do qual nunca mais soube notícias, ou se despiu de uma fé que perdeu o sentido, ou descosturou seus retalhos para com eles refazer nova trama, é difícil segurar uma lágrima boba quando se vira a última página.
"Cada quadrado tinha uma textura diferente - um som visual - e lidos em sequência, como uma tira em quadrinhos, eles contavam uma história. Como estavam dispostos em um padrão, repetindo-se, sua história era cíclica" (Graig Thompson).
publicado em: http://minhasalavazia.blogspot.com.br/2012/03/retalhos-de-craig-thompson.html