KeylaPontes 16/02/2016"Como é bom deixar uma marca na superfície branca, fazer um mapa dos meus passos, mesmo que seja temporário""Retalhos" é uma das graphic novels mais premiadas dos últimos tempos. Nela, o autor Graig Thompson faz o seu relato autobiográfico da infância até a vida adulta em uma cidade pequena de Wisconsin nos Estados Unidos. Os medos, primeiro amor, os seus primeiros rabiscos, religião, abuso sexual, o relacionamento com a família (principalmente com o irmão) assim como arrependimentos.
Quando criança, Graig retrata sua infância com o irmão em uma família religiosa e rígida. A sua paixão desde cedo pelo desenho e de como isso não foi aceito pelo meio em que ele vivia. Na medida que vai crescendo distanciou-se do irmão (que dividiu a cama por muitos anos) e uma culpa o assombra por muitas vezes por não ter defendido-o (e a sí próprio) dos males.
Algo que é possível sentir é a delicadeza ao falar sobre assuntos tão "polêmicos" ou que muitos não tem coragem de discutir. Como abuso sexual na infância, ou então sobre a religião já que o Graig, que vem de uma família cristã rígida, sempre questionou sobre o papel da religião e de Deus na nossa vida. Porém, assim como com muitos, a repressão é a que se destaca ao invés da explicação. É assim que ele passa a buscar compreender sobre ela através da bíblia. E por muito tempo acredita que os seus desenhos eram errados e que estava desrespeitando Deus através deles.
Eu li sobre como muitas pessoas se sentiram "ofendidas" pelos temas tratados na HQ. E eu, como cristã, não senti isso em momento algum. Vi somente um jovem aberto, curioso, e que ao invés de falar coisas sem sentido como muitos atualmente, vai atrás da informação "na fonte". E confesso que me identifiquei com muitas daquelas dúvidas abordadas.
Em determinado momento Graig conhece Raina. E é através dela Graig passa a ver o mundo por outros olhos. Um ponto que eu achei interessante é de como de certa forma Graig substitui uma obsessão por outra. Raina por vários momentos passa a ser o centro de seu mundo. E o conflito entre Deus e ela na mente de Graig é a todo instante. Já que ele desperta para a sexualidade. Um tabu que por muito tempo foi visto como errado.
Em uma visita a casa de Raina, Graig conhece a sua mãe que se divorciou, os dois irmãos adotados que sofrem de deficiência e a irmã mais velha que vive em um casamento fracassado mesmo com pouco tempo. E percebe como somos tão diferentes um dos outros. É nessa relação que ele passa a ver o amor, a família, a religião e o modo de ver a vida de outra forma.
E é Raina que dá a ele a colcha de retalhos. Que aqui pode ser vista como pequenos fragmentos de Graig. Cada ponto diferente e conflitante que se junta em um só.
Graig tem o dom de contar histórias. E meu deus o que foi esse traço? Eu fiquei completamente apaixonada pelo cuidado (na resenha do blog postei algumas que amei) que o autor teve com as expressões. A cada emoção o traçado ficava de uma forte. Às vezes mais leve, às vezes tão pesado como um borrão. Maravilhosa!
Retalhos é um grito. É um desabafo . Uma história que ficou presa no íntimo e que enfim pode ser contada. E tudo isso com uma delicadeza. Com um cuidado e um respeito ímpar.
É sincero.
Uma história sobre amadurecimento. Sobre como a busca incansável de saber quem realmente somos não é fácil, mas também pode estar tão facilmente claro que não conseguimos (ou não estamos preparados para) ver.
Sinto dizer que a sensação que tenho é de que nem com todas as palavras eu posso expressar o quão esta história é genuinamente maravilhosa. E talvez. Daqui um tempo quando eu reler (sinto que farei isso!) tirarei outras lições, outros segredos e declarações escondidos em um traço.
Imperdível.
Resenha no blog:
site:
http://keylinhastureads.blogspot.com.br/2016/02/resenha-retalhos-graig-thompson.html