Vanessa.Benko 15/08/2023
Eu não estava a deixar o tempo quieto
Uma obra literária que mergulha nas profundezas da realidade e do fantástico, conduzindo-nos por um território de fronteiras mal definidas entre o que é concreto e o que é fruto da imaginação. "Terra Sonâmbula", do renomado escritor Mia Couto, é um exemplo magistral de como a literatura pode ser um veículo de contraposição à alienação dos problemas mundiais, ao mesmo tempo em que nos desafia a explorar as dimensões da linguagem e da memória.
Mia Couto é um mestre em empregar recursos como o realismo mágico e o uso de neologismos, conferindo ao seu universo literário uma atmosfera única e envolvente. Em "Terra Sonâmbula", somos transportados para um cenário pós-guerra em Moçambique, onde a narração se entrelaça com elementos fantásticos que desafiam os limites da nossa percepção. A presença de marcas de oralidade e a valorização da memória cultural do povo moçambicano são essenciais, proporcionando um mergulho autêntico na essência da cultura local.
Trata-se de um livro que desafia nossa compreensão convencional da realidade. A relação entre literatura e arte como uma forma de resistência à alienação é intrínseca à trama, refletindo a convicção de que a linguagem não é apenas um meio de comunicação, mas também uma maneira de reinterpretar e repensar a realidade.
A jornada dos protagonistas é uma experiência intensa que nos leva a questionar o que é ser humano e como nos conectamos com as complexidades do mundo ao nosso redor. A personificação da terra e de todo nosso ambiente como um todo no possibilita que viajar nas linguagens não humanas, ressaltando a interdependência entre seres vivos e a própria Terra.
A narrativa é habilmente costurada com flashbacks que aprofundam os personagens, culminando em mais de um plot twist surpreendentes que nos leva a repensar toda a trama. No entanto, aqui reside um ponto negativo: o excesso de histórias paralelas pode, por vezes, diluir a conexão entre os eventos, levando o leitor a se perder em tramas desconexas.
O conceito da Terra, que caminha sonambulamente enquanto nós, meros passageiros, dormimos, é uma metáfora poderosa. Uma prosa poética carregada de simbolismos explora essa relação intrincada, lembrando-nos da efemeridade da existência humana em contraste com a persistência do mundo natural.
É um convite a trilhar um caminho literário que desafia certezas, expande horizontes e nos confronta com o inexplicável. Mia Couto nos convida a dançar nesse território complexo, onde o real e o fictício se mesclam, levando-nos a repensar nossa compreensão do mundo e do papel transformador da literatura. Prepare-se para uma jornada que oscila entre o onírico e o concreto, e permita-se questionar, assim como o próprio autor, as muralhas e fronteiras que compõem nossa identidade e percepção do real.