Jéssica 10/01/2022
As inconsistências da guerra
Desde que acabei esse livro venho pensando em como descrevê-lo, e falho miseravelmente. O que Mia Couto faz em “Terra Sonâmbula”, com sua narrativa articuladamente melancólica, sua brincadeira com as palavras, seu apreço pela cultura moçambicana e pelo povo de Moçambique, me faltam palavras para expressar. Uma experiência incrível e um ótimo embarque às obras do autor, que eu só conhecia por menções poucas e por um pequeno – apenas em tamanho – texto seu intitulado “Murar o medo”.
Muidinga, Tuahir, Kindzu e Farida são personagens muito cativantes, com uma trajetória simbólica e repleta de aprendizado(s). O realismo fantástico que permeia a obra ajuda a resgatar parte da história de Moçambique, a salvaguardar a memória de um povo que há 30 anos sofria com os conflitos político-militares e as consequências devastadoras da guerra, que assolava as paisagens, as famílias e os sujeitos, restando somente o gritante silenciamento. Couto busca, então, por meio dos neologismos e de uma escrita poética que beira a fábula, denunciar a violação dessa terra e seu povo, que como o jovem Muidinga e o velho Tuahir, saem à estrada – que muda constantemente como eles – à procura de sobrevivência, mas o que encontram são corpos carbonizados dentro de um ônibus parado junto a um baobá, e uma pilha de cadernos que logo se mostra um acalento nos tempos em que não há tempo, somente a guerra e seus frutos.
Simplesmente majestoso! Um livro para ser relido.