spoiler visualizarLu Evans 31/10/2015
Um texto pra quem quer saber muita coisa sobre DRÁCULA de Bran Stoker
A primeira característica de Drácula que eu quero ressaltar é que essa história é considerada um horror gótico. E o que é um horror gótico? É um gênero de literatura que combina ficção, horror e romantismo.
Esse gênero começou a ser desenvolvido em 1764 pelo autor inglês Horace Walpole com a história O Castelo de Otranto; e os mais famosos escritores desse gênero, além do Bran Stoker, são Mary Shelley e Edgar Allan Poe.
Fora essa classificação básica de horror gótico, Drácula é também um romance epistolar, isso porque é contado por meio de documentos. Os personagens mais importantes não apenas mantêm diários como também trocam cartas e telegramas. Além disso, a história também é contada através de notícias de jornal e até mesmo em um diário de bordo do capitão do navio Demeter, que transportou o conde da Romênia para a Inglaterra.
Algo interessante a ser observado sobre a estrutura desse formato epistolar de Drácula é que seu autor cometeu alguns errinhos com as datas dos documentos, e o leitor mais atento vai identificar esses deslizes.
Agora vamos à história.
Drácula inicia com o personagem Jonathan Harker escrevendo em seu diário sobre a viagem ao castelo do conde drácula na Transilvânia.
Jonathan é um tipo de agente imobiliário e está indo cuidar do processo legal de transferência de uma propriedade na Inglaterra para o conde.
Durante essa viagem, ao saberem para onde Jonathan está indo, algumas pessoas se mostram receosas. Tal comportamento deixa Jonathan preocupado e incomodado, mas ele é um profissional e precisa cumprir seu dever, então segue adiante.
O último trecho da viagem antes de chegar no castelo é bastante assustador, mas o personagem enfim chega lá e é recebido pelo próprio conde.
Jonathan acredita que ficaria ali somente por alguns dias, tempo suficiente para cuidar da papelada de compra da propriedade e passar algumas informações ao conde, mas logo percebe que seu anfitrião tem planos diferentes pra ele.
Esse é um dos pontos altos do livro: Jonathan se dá conta de que é um prisioneiro, e que o dona do castelo não é uma pessoa comum, e sim um monstro. Pior! Além daquele monstro, existem 3 mulheres diabólicas no castelo que estão doidas para devorar o coitado do hóspede.
Um certo dia, Jonathan escuta uma conversa entre o conde e as três vampiras, e fica sabendo que assim que o conde partir para a Inglaterra, ele vai ficar à mercê daquelas criaturas demoníacas. Naquele momento, ele percebe que, apesar de Drácula ser um monstro e seu carcereiro, ele é também sua única proteção.
O conde parte para a Inglaterra e, desesperado, Jonathan decide tentar uma fuga arriscada, escalando às paredes do lado de fora do castelo que fica à beira de um abismo.
Milagrosamente, ele escapa, encontra um convento e se refulgia ali, sendo tratado pelas freiras, que entram em contato com sua noiva Mina, que ao saber da frágil condição de Jonathan, larga tudo na Inglaterra e vai ao encontro dele no convento.
Quando o casal volta para sua cidade na Inglaterra, já está casado e vai morar na casa do patrão de Jonatham. É aí que acontece uma reviravolta na vida de Jonathan e Mina. O patrão do rapaz, que não tem herdeiros e o considera como um filho, morre, deixando em testamento toda sua fortuna para o casal. Final feliz? Nem pensar. Na verdade, os problemas estão apenas começando. Mas aqui, preciso dar uma pausa na história de Jonathan e Mina para falar de outros personagens porque muita coisa aconteceu desde que Drácula partiu para a Inglaterra.
É preciso, por exemplo, falar de um dos pontos altos da história: a viagem de Drácula no navio Demeter. Essa foi uma das partes que mais gostei nesse livro. Uma parte tão boa que cheguei a desejar que o autor tivesse criado um livro inteiro somente para narrar aquela parte. Vamos a ela... No início da viagem, a tripulação acha que está levando somente umas caixas com terra. O que ninguém desconfia é que existe um monstro em uma daquelas caixas. Logo que o navio está em alto mar, começam a acontecer coisas terríveis com a tripulação. Os marinheiros até que fazem uma busca no navio. Nada encontram. Mas noite após noite, mortes misteriosas acontecem, o que deixa todos em estado de desespero. O pânico se mistura à esperança em um determinado momento, pois o navio se aproxima de um porto. Só que o navio é cercado por uma neblima densa, e não importa o quanto navegue, não consegue sair da névoa. E com isso a sorte da tripulação do Demeter é selada. Quando o navio encalha em uma praia da Inglaterra, já não há mais qualquer um vivo.
A partir do momento em que Drácula chega a Inglaterra, coisas estranhas começam a acontecer naquela região, incluindo a misteriosa doença de Lucy, que é a melhor amiga de Mina. Lucy é uma moça rica muito bonita e que tem três pretendentes apaixonados: Dr. Sewer, médico e diretor de um manicômio; Arthur, um nobre; e Quincey, um americano do Texas. É claro, como toda moça linda e rica da Inglaterra, ela escolhe justamente o melhor partido, que é Arthur e seu título de nobreza. Porém, antes que o casamento aconteça, Lucy fica doente. John, sendo médico, começa a cuidar dela, mas não consegue identificar as causas da bizarra doença e decide perdir ajuda a um velho amigo, Dr. Van Helsing.
Quando Van Helsing chega e vê as marcas no pescoço de Lucy, ele já começa a ficar desconfiado sobre o que teria provocado aqui. Lucy está muito fraca e Van Helsing resolve fazer uma transfusão de sangue. E não é somente uma vez só que ela recebe sangue, não. Toda vez que ela é atacada por Drácula, perde sangue e começa a morrer, Van Helsing faz uma nova transfusão. No total, ela recebe sangue de quatro homens: Arthur, John, Quincey, e do próprio Van Helsing.
Um detalhe interessante sobre essas transfusões é que no tempo em que a história foi escrita, as transfusões de sangue ainda estavam sendo estudadas e a maior parte das tentativas não davam certo. Isso por um motivo muito importante: os cientísticas e médicos daquela época ainda não se sabiam que existem oito diferentes tipos sanguíneos, e para uma transfusão dar certo, os tipos sanguíneos do doador e do recebedor precisam ser compatíveis, sendo que somente o sangue do grupo O pode ser transferido para qualquer um.
E o que aconteceu se você receber um sangue que não é compatível com o seu? Seu sistema imunológico vai atacar o sangue que você recebeu porque é essa a função do sistema imunológico: atacar qualquer corpo estranho que entre no nosso sistema. Como Bran Stoker não tinha como saber disso, ele colocou na história essas transfusões de sangue malucas.
No entanto, essas operações oferecem um componente dramático que torna a morte de Lucy ainda mais impactante, poi apesar de Lucy reanimar cada vez que recebe uma transfusão, Drácula não desiste dela, e depois da quarta transfusão, acontece mais um ataque e dessa vez Lucy não resiste.
Uma grande mancada do Bram Stoker é que somente depois que Lucy morre é que Van Helsing começa a procurar pistas do que poderia ter provocado aquela doença tão terrível. Foi um vacilo, né. Ele devia ter feito isso antes. Mas a culpa foi mesmo do autor, que criou um brilhante homem da ciência e que, ao mesmo tempo, não atinou para algo muito básico: se Van Helsing fosse real e estivesse passando por aquela situação, ele não teria esperado nada para fazer a pesquisa. Afinal, ele é um homem de ação. Mas, como nas histórias de horror até os personagens mais inteligentes fazem besteira, Van Helsing só dá uma olhada no diário da moça depois que ela morre. E é quando ele encontra as cartas que ela recebeu de Mina. Então, Van Helsing decide procurar Mina para ver se consegue alguma pista sobre o que causou a estranha condição de Lucy.
Logo no primeiro encontro, Mina desenvolve grande confiança em Van Helsing e entrega a ele o diário de Jonathan, através do qual Van Helsing fica sabendo de tudo que aconteceu no castelo de Drácula, e que o conde veio para a Inglaterra no mesmo período em que Lucy adoeceu. É quando ele começa a juntar as peças daquele sinistro quebra-cabeças, que é completamente montado quando o médico lê uma notícia no jornal sobre ataques que estão acontecendo às criancinhas que vivem naquela área.
Nesse momento da história, eu quero chamar a atenção de vocês para algo muito interessante que Bran Stoker colocou na obra: a criação de uma lenda urbana.
É a lenda da Bloofer Lady. Desde a morte de Lucy, crianças muito pequenas daquela região começam a desaparecer durante a noite, e quando são encontradas no dia seguinte, estão fracas, pálidas, e afirmam que foram levadas pela “bloofer lady”.
Eu li Drácula em inglês. Quando cheguei nesse termo “bloofer lady”, fiquei sem saber o que era. Nunca tinha escutado aquilo na minha vida e fui pesquisar.
Descobri que a palavra bloofer foi usada pela primeira vez por Charles Dicken na novela “Our Mutual Friend” como uma forma de encurtar a palavra beautiful.
O personagem era uma criança, e às vezes crianças pequenas têm dificuldade de dizer palavras com três ou mais sílabas, por isso acabam encurtando essas palavras mais longas. Então, as crianças de Bran Stoker, tranformaram beautiful lady em bloofer lady. Vejam bem, esse termo não foi originalmente pensado por Bran Stoker, mas foi uma forma muito criativa que ele encontrou para moldar sua lenda urbana sobre uma mulher bonita vestida de branco que rouba criançinhas no meio da noite para se alimentar do sangue delas.
E voltando à história... Van Helsing procura John e prova que Lucy é a bloofer lady das notícias do jornal. E o modo que ele faz pra provar isso é muito interessante. Vocês deviam ler o livro porque essa parte é bem legal. Ele leva John ao cemitério durante a noite e ali os dois testemunham Lucy chegando com uma criança. Van Helsing e John salvam a criança, mas sabem que precisam voltar ao cemitério e destruir Lucy. Para isso, pedem ajuda de Arthur e Quincey.
Mesmo sem acreditarem naquela história, Arthur e Quincey concordam em acompanhar Van Helsing e John até a tumba de Lucy. Chegando lá na noite seguinte, os quatro testemunham Lucy chegando com mais uma criancinha. Mais uma vez a criança é salva, mas Lucy se refugia na tumba, e Van Helsing resolve que o melhor a fazer é levar a criança dali e voltar durante a luz do dia para dar um fim em Lucy. Eles cumprem aquela missão, e agora precisam ir também atrás do conde drácula.
É nesse momento da trama que Jonathan e Mina voltam a atuar de forma mais dinâmica, porque eles se juntam ao grupo de Van Helsing para caçar o conde.
Porque Jonathan tinha cuidado da compra da propriedade de Drácula, então ele tem o endereço do conde, ou seja, agora eles sabem por onde começar a busca.
O grupo liderado por Van Helsing avalia os pontos fortes e fracos do inimigo para montar uma estraégia de ataque. Bran Stoker deu a Drácula tantas características sobrehumanas que ele é praticamente é um deus vivo… ou seria melhor dizer um deus morto-vivo? Drácula não apenas controla animais, elementos da natureza, sua própria forma, como também tem poder sobre a vida e a morte dos humanos, que se tornam seus escravos ao se transformarem em vampiros. Mas como a história da humanidade prova, não há deus que não tenha um ponto fraco, que não possa ser derrotado e destruído. Drácula é vunerável a luz do dia, a alho e a visão de um cruxifíxo. Ele só pode entrar na sua casa se for convidado, e pode ser vencido com uma estaca enfiada no coração.
Nesse momento de preparação do grupo, a questão do machismo fica muito evidente. Aliás, o machismo é visto desde o início do livro. No capítulo 7, por exemplo, Lucy escreve a Mina, dizendo: “Querida Mina, por que os homens são tão nobres enquanto nós, mulheres, valemos tão pouco?”. No capítulo 18, Van Helsing elogia Mina dizendo que ela tem um cérebro de homem, justificando, com aquilo, a inteligência da moça. Nesse mesmo capítulo, Mina e os outros estão tendo uma reunião sobre Drácula, e ela senta ao lado de Van Helsing para tomar notas do que for dito pelos homens, e nessa mesma parte, Jonathan diz que ele responde por ela. Mais na frente, Van Helsing diz a ela que eles, os homens, estão indo na caçada, e que ela deve ir dormir e não perguntar mais sobre aquilo, e que eles contarão qualquer coisa quando acharem conveniente, justificando que eles são homens e podem suportar. Mina se dá por satisfeita com aquela resposta. Aliás, é a própria Mina que diz que tem um coração covarde quando escuta Quincey disparando sua pistola. É claro que a gente sabe muito bem que essa era a realidade da época em que a novela foi escrita. Aliás, até hoje as mulheres ainda se deixam colocar em uma posição submissa.
Enquanto os homens estão fora por várias noites tentando localizar o monstro, ele, na verdade está no quarto de Mina. Mas aquele amor romântico mostrado na adaptação de cinema de forma alguma corresponde ao que acontece no livro. Drácula morde Mina tão somente para se vingar dos seus perseguidores e usá-la como espiã.
Quando finalmente descobre o que está acontecendo com Mina, o grupo tem uma razão ainda mais forte para ir atrás do vampiro, afinal, a vida da moça está por um fio.
E o final da história não vou contar.
Até a próxima.