Flávia Menezes 04/05/2023
... NÃO EXISTE NADA DE NOVO NO REINO DA DINAMARCA!????
?Os Olhos do Dragão?, que foi primeiramente publicado em 1984, é um romance que traz uma escrita muito distante daquela com a qual estamos tão acostumados a ver no mestre do terror, Stephen King. Mas a verdade é que por trás desse clima todo de contos de fadas, contado por um narrador onisciente que se dirige ao leitor como se estivesse contando uma história na hora de dormir, está o desejo do King em criar algo especial para a sua pequena filha, Naomi. Aliás, uma das personagens dessa história chega a receber seu nome, e é claro que ela tem uma participação bastante significativa.
O primeiro livro que eu li do Stephen King foi ?Sobre a Escrita ? A arte em memórias?, e me recordo de como ele falava das leituras que mais gostava de fazer, incluindo aqueles livros que ninguém dava muita atenção, tanto quanto era um verdadeiro apaixonado por contos de fadas. Essa foi a primeira característica dele que me ganhou por completo, porque eu também tenho uma grande paixão pelos contos de fadas, inclusive tendo sido tema de uma monografia de conclusão de uma pós-graduação, onde pude me aprofundar um pouco mais no tema, e estudar a forma como a psicanálise se debruçou com tanta paixão sobre esse tipo de literatura.
?Síndrome de Cinderela?, ?Síndrome de Peter Pan?, ?Síndrome de Wendy?, e tantas outras que levam os nomes que emprestamos dos nossos amados personagens dos contos de fadas, tudo para explicarmos determinados tipos de comportamentos humanos que refletem muito das nossas próprias necessidades pessoais, medos e muitos anseios. Mas dessa história aqui, eu te garanto que não iremos tirar nenhuma síndrome.
Apesar da história ser bem contada, e do narrador ser bem simpático, até lembrando a narração que encontramos em "Peter Pan", a trama é repleta de grandes clichês: o rei clichê com seus filhos em uma disputa super clichê, e os seus súditos clichês que nada de interessante acrescentam a história. Até o vilão desta história é clichê!
Um conto de fadas é muito mais do que uma história escrita para crianças. De fato, é uma narrativa com uma trama que pode ser mais facilmente compreendida pelo público infantil, porém que traz com profundidade muito dos grandes rituais de passagens pelos quais muito em breve eles terão que atravessar em suas vidas. E esse é um ponto que King sempre deixa de fora quando tenta escrever um conto de fadas.
Ele (King) fala de dragões, de reinos distantes, de reis e príncipes, e magos com feitiços malignos, mas sem um aprofundamento em questões que farão seus leitores mergulhar, e sair diferente do que entraram, porque foram transformados pela saga de seus personagens.
Como os personagens não trazem muita profundidade psicológica, eu acho até difícil alguém se identificar com eles. E esse é um elemento importante nos contos de fadas: nos sentimos como um Peter Pan que não quer crescer, ou uma Wendy que quer agradar a todos o tempo todo, ou uma Cinderela que tem medo de ser totalmente independente, e fica à espera que o príncipe venha para salvá-la de uma vida como criança, a ajudando a amadurecer.
Já nesta história, é difícil ter alguma identificação com o Peter, por exemplo, que é o irmão mais velho e o mais amado pelo pai, porque apesar de ser dito que ele é bom, ou que ele é corajoso, não vemos propriamente nenhuma ação dele tão relevante que nos faça ver o quão corajoso ou bom ele é. Ao contrário! O que eu vi foi uma grande soberba por parte dele ao tratar seus subalternos.
Assim como não temos como criar uma empatia com Thomas, que como segundo filho não recebeu toda a atenção do pai, por seu nascimento ter sido o responsável por levar sua mãe à morte. Afinal, apesar de ter fragilidades que poderiam trazer algum fator de identificação, ele não passa de um garoto resmungão, que passa o tempo todo apenas se lamentando. É tudo tão superficial!
O mesmo acontece com o vilão. Confesso que Randall Flagg é tão clichê, que chega a ser frustrante ler os capítulos sobre ele!
Algo muito diferente de quando lemos ?Sob a Redoma?, e acompanhamos as maldades do ?Papai Malvadão? (Big Jim). Nesse calhamaço de respeito, vemos um antagonista que se aproxima muito da realidade, e nos proporciona aquele momento de tensão a cada vez que ele fica irritado com alguém, já imaginando que coisas horríveis ele irá fazer. Aliás, penso que essa é uma ótima história para ser usada como uma boa alegoria do ambiente organizacional, porque fala com muita propriedade sobre liderança, trabalho em equipe, necessidade de planejamento e outras questões que nos ajudam a refletir sobre os entraves em nosso ambiente de trabalho.
Já Randall Flagg (pelo menos nesta história, uma vez que ele volta a aparecer em outras) é aquele vilão tão previsível, que não sentimos nada a seu respeito. Pelo menos eu, em momento algum, senti algum tipo de repulsa, ou raiva, ou até mesmo tive medo dele, como tive do Big Jim (Sob a Redoma). Suas ações já eram esperadas para esse tipo de história, e cometidas com tanta facilidade, que chega a reduzir a realeza a pessoas desprovidas de inteligência, a ponto dele (Flagg) não precisar nem se esforçar muito para cometer suas atrocidades.
O que só nos faz perceber que esse é um reino entregue às traças, e mesmo que seu rei possa um dia ter matado um terrível dragão, só ouvimos falar sobre esse assunto, porque depois, tudo o que ele fazia era se empanturrar de comida, se embebedar e tratar seus filhos com diferença.
Aliás, esse também é um ponto bem clichê, com um final bastante superficial: a rivalidade dos irmãos. Peter e Thomas são tidos como diferentes, mas de fato só sabemos sobre eles superficialmente, e suas ações são tão banais que não há como ter um favorito. Confesso que os achei igualmente imaturos, fracos e sem qualquer visão estratégica para lidar com o perigo iminente, nem muito menos assumir um reino. Que grandes reis esses, hein?
É... nada de novo no reino da Dinamarca... E confesso que depois de ler esse livro, por mais que ele possa até ser um bom entretenimento, me desanimou muito a conhecer a saga da Torre Negra (não que seja alguma continuação, mas pelo tipo de trama). Sorry for that, King!