Hugo 09/09/2020
Com escrita violenta, Ana Paula Maia reflete sobre grupos negligenciados
Tem gente que mergulha nos livros para fugir da realidade. Mas existe escritores que usam da ficção para nos fazer lidar com um realismo indigesto. O livro 'Entre rinhas de cachorros e porcos abatidos' traz personagens acostumados com o submundo que a sociedade os relega.
São duas novelas. A primeira reserva as aventuras de uma dupla de homens que trabalham em um abatedouro ilegal de porcos. A segunda narra as reflexões de um coletor de lixo sobre a hipocrisia da sociedade. Todos se tornam invisíveis aos olhos dos outros no meio do sangue e da sujeira.
Ana Paula Maia, escritora e roteirista carioca, que nasceu em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, tem uma escrita violenta. É fácil se chocar com algumas passagens do seu livro. Tem de tudo: zoofilia, roubo de órgãos, pedofilia, homicídio. E não falo isso para te assustar ou para te afastar do trabalho de Ana Paula. É um incentivo torto. Porque todos esses temas são relacionados a personagens que não se importam mais com o lado feio da vida. Porque foram brutalizados por suas escolhas ou por simplesmente terem trabalhos que eu, você, nem ninguém quer ter.
É com essa premissa que as novelas tentam agarrar a nossa atenção. Como a sociedade deixa que parte dela se desumanize ao ponto de não ligar mais para as leis, julgamentos, o próprio corpo, a saúde. Na primeira novela, em seu primeiro capítulo, o personagem Edgar Wilson assassina uma pessoa, mói a sua carne e a vende como se fosse de porco. Ele faz isso tudo sem pestanejar, como se fosse um gesto natural. Como coçar os olhos, beber um copo d’água, respirar.
A segunda novela, ‘O trabalho sujo dos outros’, nos leva a vida em cima do corrimão de um caminhão de lixo. Escorregadio, já causou muitos acidentes. Garis que caem e morrem, ou ficam inválidos, desempregados. Erasmo Wagner é um deles. Ele sobrevive refletindo sobre a decadência do seu serviço e de como ninguém se interessa com suas mazelas. As pessoas o evitam como se ele fosse o lixo que ele recolhe.
Os momentos finais do livro lançam uma crítica a uma sociedade consumista que descarta toneladas de lixo todos os dias. O conteúdo da lixeira diz muito sobre quem a pessoa é e de onde ela vem. Em um cenário apocalíptico, uma cidade engolida por ratos e sujeira é observada por Erasmo. Toda a barbaridade aconteceu porque pessoas como ele deixaram de trabalhar.
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