Thalya 13/10/2020
Obra contemporânea e clichê?
No terceiro livro e último da trilogia - começada com "O Inferno de Gabriel" e tendo "O Julgamento de Gabriel" como continuação - embarcamos na construção da ideia de amor e de família, do personagem intenso Gabriel e da sua doce amada, Julianne ou Julia. Depois de casados acompanhamos o amadurecimento dos dois de diversas maneiras, sejam pessoais ou de convivência social. Ambos tiveram uma infância complicada: abandono e negligência parental, por exemplo. Além de relacionamentos tóxicos, abusivos e destrutivos, principalmente no caso de Julia ao descobrimos que ela teve um namoro problemático e traumático com Simon, filho de um senador, que o narrador focará em alguns momento nessa obra - como também focou outras perspectivas através do narrador em terceira pessoa e onisciente, trazendo uma complexidade, que infelizmente não se torna polifônica (capaz de suscitar certas dúvidas existenciais do leitor ao mostrar que a visão do casal não é a única e a mais "correta", pois outras foram apresentadas e para o narrador todas se equivalem, não são melhores ou piores, aí lembremos primordialmente de "Os Irmãos Karamázov" de Fiódor Dostoievski; esse termo foi cunhado pelo também russo Mikhail Bakhtin).
Ao observarmos temas densos como abuso e pais negligentes serem suscitados por Sylvain Reynard, percebemos rapidamente a relevância e atualidade da produção dele (pensei em levar até para a sala de aula, retirando as cenas mais eróticas e planejando as abordagens e métodos a serem adotados. Mas isso dependeria da idade e da maturidade do alunado. Talvez outras obras sejam melhores para realizar a discussão).
Como leitora mais crítica, faço algumas ressalvas, além das já realizadas sobre polifonia: ainda que interessante, essa continuação não seria necessária. O escritor realmente precisava concluir no anterior, como almejava.
Sabemos que o clichê é refrescante e relaxante nesse momento doloroso de nossa história; ajuda a repensar atitudes e ações - a generosidade, a fé e a esperança são temáticas bases de "A Redenção" e de toda a trilogia - contudo acaba se tornando cansativo. E que não neguemos, nossa vida é repetitiva e sempre esperamos que os livros fujam a essa regra e mostrem grandes aventuras e grandes reviravoltas, logo não critico inteiramente Reynard. Foi uma escolha dele, depois do pedido dos fãs.
Enxergar a vida e o cotidiano - e a rotina de estudos, rapidamente pincelada e aprofundada em outros momentos - de casados de Julia e Gabriel é um ponto muito bem trabalhado, porque conseguimos ver os conflitos e a sua resolução de problemas. E embora clichê, é um certo acalento encontrar uma narrativa com final feliz.
Não darei spoilers, resenhando de forma mais detalhada, como podem notar. Quero ressaltar ainda a importante motivação do escritor para procurarmos referências a livros clássicos, como é Dante Alighieri, reverenciado autor de "A Divina Comédia". Sendo pesquisadores universitários de Dante, o casal principal pode ser uma porta de entrada para essa busca e para a sua consequente leitura. Obras contemporâneas que retornem autoras e autores antigos ao cenário atual são ótimas e se pensarmos que são capazes de encantar novas leitoras e leitores, melhor ainda.
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