MiCandeloro 28/01/2014
Divertido, melancólica e reflexivo. Uma leitura surpreendente!
Bernadette Fox era uma arquiteta brilhante. Ganhou a bolsa McArtur na categoria gênio por causa da Casa das Vinte Milhas e, com isso, se tornou uma profissional de referência no ramo da arquitetura sustentável. Casou-se com Elgin Branch, que rapidamente virou um fenômeno de sucesso dentro da Microsoft. Ambos formavam um casal adorável e promissor, e o que eles mais queriam era ter filhos e construir uma vida em comum. Até que uma coisa horrível aconteceu, e Bernadette se mudou com o marido de Los Angeles para Seattle praticamente fugida.
Em Seattle nasceu Bee, completamente azul, portadora de uma doença gravíssima no coração. Bee sobreviveu, contrariando todas as previsões médicas e, a partir de então, Bernadette passou a lhe dedicar toda a sua vida. Ali nascia um amor poderoso entre mãe e filha que não poderia ser abalado por nada no mundo.
Bee cresceu e floresceu, se destacando como uma menina doce, inteligente, cheia de vida e superdotada. Bernadette, por sua vez, ao longo dos anos foi se tornando uma pessoa extremamente antissocial, irritadiça, cheia de manias e difícil de aturar. Ela odiava Seattle, odiava sua casa, odiava sua vizinha e todo o grupo de mães que fazia parte da comunidade da escola da filha e que viviam lhe atazanando. A lista de inimigos de Bernadette gradativamente só crescia.
Certo dia, Bernadette foi obrigada a organizar uma viagem para a família até a Antártida, em razão de uma promessa que havia feito para Bee, fazendo com que vários sentimentos soterrados viessem à tona e desencadeassem crises severas de ansiedade e depressão. Se isso não bastasse, em meio a inúmeras trocas de emails confidenciais, interceptados pelo FBI, e outras tantas correspondências, Bernadette sumiu, deixando Bee desesperada. Por mais que Elgin tentasse, suas desculpas para o desaparecimento da esposa não convenceram a filha.
Afinal, o que houve com Bernadette? Será que enlouqueceu de vez? Foi sequestrada? Ou se deixou levar para o buraco negro do suicídio? Bee irá literalmente até o final do mundo para desvendar este mistério e descobrir quem é a Bernadette de verdade.
Querem saber o que vai acontecer? Então leiam!
***
Como definir Cadê você, Bernadette? Estou até agora sem palavras. Talvez o máximo que me arriscaria a dizer é que fiquei chocada do início ao fim enquanto lia o livro. Chocada pela ousadia da autora, pela forma inusitada da narrativa, pelas reviravoltas da trama, pelo mistério, pela linda história de amor entre Bee e sua mãe, pelas maluquices de Bernadette, pela raiva que senti de Elgin, pelos risos que me foram arrancados, pela garganta que ficou apertada ao final.. pelo visto, poderia ficar eternamente explicando os meus motivos de ter amado esse livro e do tamanho da minha perplexidade (no segundo sentido, né Bernadette?!) ao me deparar com uma história tão fantástica.
Ok, confesso, fazia tempo que escutava falar sobre o livro, mas fui preconceituosa. Imaginei que fosse encontrar mais uma história comercial bobinha que tem o intuito apenas de nos entreter e fazer passar o tempo. Não que Cadê você, Bernadette? não seja assim. Sim, ele é, mas vai muito mais além de um livro superficial feito apenas para darmos algumas poucas risadas.
Comecei a lê-lo de forma descrente. Entendam, ele não é escrito de maneira convencional, e isso pode confundir alguns leitores, ou fazer com que outros torçam o nariz por ter uma escrita tão diferente. Vou tentar explicar: digamos que o texto todo é composto pela narrativa de diversos personagens, em primeira pessoa, mas que nos são apresentados de forma levemente desconexa, por meio de bilhetes, emails, fax, cartas, relatórios, etc. E em meio a tudo isso temos ainda uma narrativa usual, e alguns personagens "comentando" esses materiais compilados durante a obra.
No curso de boa parte da história ficamos sem entender o que eles são, e como aqueles personagens tiveram acesso a tais documentos, mas o estranhamento que senti em relação a esse tipo de escrita se deu só no início (meu primeiro choque), que logo se desfez e mergulhei nessa "caça ao tesouro" me divertindo com cada bilhete ou email que chegava.
Parabéns para a autora, que soube prender a minha atenção do início ao fim em mistérios muito bem bolados, tanto é que devorei o livro, como dito na capa, e não consegui ir dormir até terminá-lo. É incrível como Maria começa contando uma história, que se transforma em outra, e depois em outra e quando chegamos ao final não acreditamos que "chegamos até lá" e por alguns momentos até esquecemos sobre como "fomos para lá".
Foi incrível ver como cada personagem foi ganhando peso ao longo da trama, e como cada história estava interconectada a ponto de interferir na vida e no destino do outro personagem. Bernadette é uma pessoa incrível. Extremamente complexa, cheia de altos e baixos, traumas, problemas psicológicos e emocionais, mas com um coração gigante e um amor incondicional pela filha. O livro deixa claro que Bernadette não é "normal", mas isso também não quer dizer que ela é louca, passível de internação. Muitas vezes, nos vemos mergulhados nos problemas de tal forma, que fica impossível ver a luz no fim do túnel, e com o passar do tempo, simplesmente nos acostumamos a viver assim, no completo caos. Às vezes, tudo o que precisamos é de uma mudança de perspectiva, novos ares.
Elgin, ao contrário da esposa, é um profissional de sucesso, aclamado e extremamente ocupado. Por causa disso, mal para em casa. Bernadette acabou se transformando numa estranha para ele que, ao enxergá-la, não consegue ver a mulher por quem um dia se apaixonou. Depois de descobrir todas as confusões nas quais a esposa se meteu, de uma forma cega, egocêntrica e impetuosa, tentou consertar a situação, colocando a família toda em maus lençóis.
Bee, por sua vez, é uma menininha de ouro. Ela não é somente uma menina superdotada, inteligente, curiosa e teimosa. Ela é cheia de vida, aguerrida, perspicaz e com uma alegria contagiante. No fim, acaba se tornando a grande heroína da história. Bee irá mostrar para todos que é possível amar uns aos outros nas suas diferenças, limitações e imperfeições, e que a vida é feita de pequenos, mas divertidos momentos como, por exemplo, cantar as músicas dos Beatles no carro com a mãe.
Cadê você, Bernadette? fala sobre nossos conflitos internos, sobre as feridas que mantemos abertas pelos problemas mal resolvidos e sobre o quanto isso pode nos levar a ruína. Outrossim, refere-se a nocividade da acomodação, da rotina e da forçação de barra ao viver uma vida de mentiras, incondizente com a nossa essência, podendo matar a nossa criatividade e a nossa vontade de viver. Mas acima de tudo, fala sobre a importância da família, do amor entre pais e filhos, do perdão e da tolerância.
Deixem-se levar pelas manias piradas de Bernadette, pelo espírito investigativo de Bee e pela cegueira de Elgin a um mundo cheio de aventuras em que o destino é surpreendente!
Sabem aquele livro que a gente lê, que tem prazer de ter lido e que não consegue parar de falar sobre e de recomendar para as pessoas?! Bom, este é um deles. Só digo, vocês PRECISAM ler Cadê, você Bernadette?. Super recomendo!
Resenha originalmente postada em: http://www.recantodami.com/2014/01/resenha-cade-voce-bernadette-maria-semple.html