TalesVR 22/03/2024
Escrita
O que mais me chamou atenção foi a forma de trabalho do Mário de Andrade. Ele escrevia, escrevia, escrevia, escrevia muito e guardava aquela montanha de papéis. Depois de 2/3 anos ia relendo e descartando a maioria por não concordar mais em nada com o conteúdo ou estilo do texto. Quando não descartava, reescrevia, mexia em tudo que fosse possível. O maior exemplo desse livro é o conto Frederico Paciência, que começou a ser escrito em 1923 e só foi publicado pela primeira vez em 1942.
Quanto ao conteúdo é notável que Mário percebeu, ainda na década de 20, que a urbanização brasileira estava sendo e seria ainda mais catastrófica para a sociedade com o passar do tempo. A desigualdade social já era gritante por todos os lados. Um dos pontos em comum de todos os textos reunidos nessa sua obra da maturidade é justamente um individuo sufocado por um contexto maior que não consegue escapar. As narrativas seguem o fluxo de uma só pessoa, mas ao redor sempre tem algo relacionado com a falta de dinheiro, poder ou respeito: o rapaz que teve o relacionamento negado com seu amor de infância por não ser rico o suficiente para a família dela, o filho que é confrontado com a sombra do pai mesmo com ele já morto, outra vez um filho que começou seu processo de revolta interna ao ter os cabelos cortados quando tinha 3 anos de idade, uma mulher reprimida sexu@lmente que encontra em igrejas um certo tipo de aventura intima que só ela sabe o que está acontecendo, um estranho bebendo em mesa de bar e tendo sua vida inteiramente dissecada por fofoqueiros aleatórios que não tem certeza de nada do que estão falando, um patrão autoritário que não consegue sequer conceber a ideia de que um funcionário pudesse se demitir e não o contrário.
E por fim, a cereja do bolo seria o título que não foi colocado, então não teve cereja. Mário queria pregar uma última peça nos críticos e jornalistas que sempre que ele lançava algo novo vinham falar que tal obra antiga era muito melhor, essa nova não era tão boa. A ideia original era, então, chamar esse livro de Contos Velhos: já que eram velhos teriam necessariamente que ser bons.