MatheusPetris 06/02/2024
Menos para o romance e mais para o ensaio (filosófico, diga-se), Água Viva (1973) “é uma linha reta no espaço” (Clarice Lispector). Sua narradora-protagonista sem nome, escreve para alguém também sem nome: se abre como um livro. Na quarta capa da edição que li, alguém fala que Clarice busca “desvendar as profundezas da alma”, discordo; Clarice ousa tocar os meandros da linguagem, sua pintora está “atrás do que fica atrás do pensamento”.
Para isso, a carta-livro, na verdade, dissimula um intenso fluxo de consciência, um fluxo que só é interrompido por pausas na própria escritura, isto é, a narradora-personagem avisa que parou de escrever, faz questão de frisar a importância do presente para sua própria escrita. Para, contempla, retorna.
Se “este instante é. Você quem me lê é” (Clarice Lispector), o livro então é a captura deste instante tal como uma tela? A narradora passeia pelos objetos, a metáfora e a metonímia são aliadas para que ela se aproxime dos instantes de cada objeto, do relance que eles perpassam ao olhar dela. Apesar da pintora se expressar em um suporte diferente (não a tela, mas o papel), o olhar é o mesmo: o olhar de uma pintura atenta ao presente.
O que é o it, a coisa do que Clarice fala? Para alguns, algo como a essência de tudo. “História não te permito aqui. Mas tem it. Quem suporta?” (Clarice Lispector). Não há enredo, mas há substância, uma seiva que pulsa.
Livro para ser observado como uma tela, ou uma tela para ser lida como um livro? A primeira opção, evidentemente. A pintora faz literatura, estreita o momento, apesar de admitir a mesma finalidade (quando pinta e escreve), cada linguagem guarda sua especificidade, seu trato com a arte.
Livro para ser relido, esquecido e lido de novo, Clarice não ousa um fim, mas exclusivamente o meio.