Mauricélia 31/05/2020
Viver com a alma ardendo!
Ler Clarice Lispector é um desafio. Há quem diga que ela se enquadra na máxima "ame-a ou deixe-a"! ?Apesar de já ter experiência a partir de outros textos da autora, de quem gosto muito, essa obra me tirou completamente da zona de conforto, mesmo sendo uma narrativa curta. "Água viva" é a palavra que exalta, rebaixa, desvenda, desnuda, queima!! Melhor título não poderia haver! .
Uma voz feminina escreve a um "tu" masculino, começando com a descrição da sensação contraditória de liberdade e o medo que ela traz. Uma alegria por se sentir agora livre e o medo do que estar por vir. A partir daí, escreve de forma fragmentada, caótica, em fluxo de consciência com quebras bruscas de assunto e de tempo. O que importa para a narradora são os sentimentos do instante, aquele que quando se pensa, já se desfez! .
O livro é uma forte prosa poética com passagens líricas, com um pouco de romance, diário, conjecturas filosóficas... Não há um enredo, divisão de capítulos, nem tema central; foge e quebra o convencional como somente Clarice sabe fazer com maestria. .
E nessa desconstrução literária, nessa perturbação e calmaria da protagonista pintora, a voz feminina fala de religiosidade, amor, morte, solidão, tempo, o estar no mundo, a entrega, assim como fala de objetos e suas funções, atribuindo a eles comparação de seres animados. .
Precisei de tempo e paciência para vencer esse lindo desafio. ? Alternei a leitura com outros livros. É um texto que traz profundas reflexões e passagens belíssimas! Para quem quer conhecer Clarice, não recomendo começar por "Água viva", mas sim por "A hora da estrela" ou pelos contos. . "O que estou te escrevendo não é para se ler; é para se ser", ela escreve. É isto: Clarice não é para se entender; é pra sentir???! . . .