Pedro Costa 09/07/2023
Sobre Paladares Privilegiados
Pretender fazer a resenha de uma obra mais que sesquicentenária, ainda mais escrita pela pena de um baluarte do calibre de José de Alencar, já equivaleria, só pela ousadia, a desmerecer a obra (ou talvez a querer merecer-se com absoluto exagero!). Entretanto, após ler algumas postagens a respeito do livro Iracema, mais uma vez não me contenho e lá vou eu dar minha cara a tapa...
Confesso ser um exercício de paciência ler críticas aludindo ao texto como excessivamente meloso ou às descrições como absurdamente prolongadas, permitindo assim deduzir que tais críticos se esquecem ou ignoram ter sido a obra publicada em 1865, nos primórdios do romance brasileiro, e pior, sem notar que, até pela precocidade do estilo, José de Alencar era então bastante atrevido em suas inovações. Mais ainda, é desesperador constatar-se que a classificação “leitor medíocre” é recebida como um insulto ao invés de elogio, sendo sobejamente sabido que uma assustadora parcela dos calouros que ingressam atualmente nas universidades brasileiras é formada por jovens incapazes de fazer uma simples interpretação de texto... e que uma parcela mais assustadora ainda desses jovens conclui o ensino médio em estado de analfabetismo funcional; daí que, para a grande maioria desse universo de leitores potenciais (ainda que alguns deles sofrivelmente), seria um elogio imerecido ser qualificado em sua capacidade cognitiva como “dentro da média” ou “de nível médio”, como claramente sugere a expressão acima mencionada.
Contudo, devo reconhecer que, num país dirigido por um ex-presidiário “descondenado” que ostenta com cínico orgulho a façanha de nunca ter lido um único livro, os jovens que conseguem sobreviver ao ininterrupto bombardeio da mídia corrompida e ainda se dedicam à prática da leitura, independentemente do grau de limitação, merecem sim todo o meu respeito. Até admito que gosto não se discute e talvez mesmo não se julgue (aqui há controvérsias!), mas, vamos combinar, alguns sabores estão reservados a paladares privilegiados, somente desenvolvidos ao custo de muita dedicação e treino... pelo sim, pelo não, leiam! E para os que já leem, leiam mais, vocês vão melhorar!
E para não dizer que não falei das flores, a obra não é um romance, mas sim um poema em prosa... e a arte em geral, sejam os belos poemas, as belas músicas, pinturas ou esculturas, não são feitos para serem apreciados apenas uma vez, mas sempre que possível... e eles têm o poder de, a cada novo contato, revelar novas nuances de beleza, despertar novas emoções e esclarecer novas verdades não percebidas nas ocasiões anteriores, até pelo fato de sermos mentes em constante evolução. Não digo que foi uma releitura porque nunca é. O leitor que conclui a leitura já não é o mesmo que começou; e quando ler novamente o livro, verá que ele também não é o mesmo que foi lido antes... assim, meu conselho para quem leu e gostou: leia de novo! Vale a pena.
E meu conselho para quem leu e não gostou: leia de novo! Sempre dá certo!
Nem preciso dizer que é um dos meus favoritos.
Pedro Costa.
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