Fernando Lafaiete 26/09/2017Árvore e Folha: Uma discussão literária necessária!
Independente de quem seja, nenhum autor é dono da verdade; assim como nenhum leitor também o é.
Porém, devido ao peso de sua obra, as palavras de Tolkien possuem muito peso dentro da literatura, acima da maioria dos autores. Árvore e Folha contém um ensaio bem focado em fantasia infantil / contos de fadas. O autor levanta questionamentos bem válidos e reforça que ter preconceitos literários é coisa de gente que não entende de fato o que é literatura.
Livros de fantasia devem ser considerados histórias inferiores aos tão famigerados livros "sérios"? (Este é o termo que era utilizado na época que Tolkien escreveu tal ensaio - *Este termo foi modificado atualmente para livros clássicos). Segundo o criador da Terra Média, críticos literários da época, criticavam fortemente livros de fantasia por acreditarem que livros do gênero prejudicavam quem os liam simplesmente por apresentarem mundos imaginários que contribuíam para a "destruição" da racionalidade humana. A função da literatura é reforçar reflexões reais e não criar raciocínios distorcidos.
Porém, Tolkien apresenta a seguinte resposta:
"A Fantasia é uma atividade humana natural. Certamente ela não destrói a Razão, muito
menos insulta; e não abranda o apetite pela verdade científica nem obscurece a percepção
dela. Ao contrário. Quanto mais arguta e clara a razão, melhor fantasia produzirá. Se os
homens estivessem num estado em que não quisessem conhecer ou não pudessem perceber a verdade (fatos ou evidência), então a Fantasia definharia até que eles se curassem. Se chegarem a atingir esse estado (não parece totalmente impossível), a Fantasia perecerá e se transformará em Ilusão Mórbida."
A função real da literatura é servir como refúgio para quem a procura. Se um livro levantará ou não reflexões pertinentes, dependerá do autor e do leitor. Literatura na sua forma bruta não deve ser restringida a gênero ou temas abordados.
Vale reforçar que Tolkien escreveu este ensaio antes mesmo de lançar a trilogia Senhor dos Anéis. Após o lançamento de sua obra -prima que viria a se tornar a principal obra da literatura fantástica, Tolkien elevou tal gênero a um novo patamar, provando para o mundo, que ele estava certo ao contrário dos críticos literários.
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Neste singelo livro, Tolkien também aborda a relação autor versus leitor. O escritor de livros de fantasia realmente precisa explicar tudo ao leitor? Segundo o autor, isso dependerá do estilo narrativo de quem escreveu a história que você está lendo. Ele apresenta 3 tipos de construção de mundos (que você terá que ler para saber quais são). O autor exemplifica que muitos acreditam que o leitor precisa aceitar o que lhe é entregue sem se preocupar com os elementos (explicações detalhadas) que construíram aquela história. Entretanto, o processo imaginativo depende muito mais do escritor do que de seu público. As pessoas utilizarão das informações entregues para embarcar completamente no mundo apresentado. Se o leitor está visualizando as situações de maneira superficial ou não está entendendo algo, é porque a escrita do autor não está alcançando o seu objetivo.
Temos que entender também, que se o autor explica demais, o leitor poderá se sentir subestimado. Resumindo: Ser escritor não é uma tarefa fácil... acredito que deva ser uma das profissões mais difíceis.
Engraçado que Tolkien também diz que livros de fantasias são livres. Em algum momento do ensaio ele diz: "Sou escritor e não historiador." Em um mundo mágico você pode fazer o quiser. Tudo é possível! Você pode distorcer termos e fatos que realmente ocorreram. O mundo é seu, e portanto, nele tudo se torna verdade.
E se você é escritor ou pretende ser, entenda a regra básica: Você é um subcriador e não um Criador. Assim como Tolkien, eu nunca conheci alguém que realmente tenha criado um livro 100% inovador. Todos utilizam elementos já existentes. Ser um Subcriador não diminui sua árdua tarefa de encantar pessoas através das palavras.
O ensaio aborda vários outros aspectos. Exatamente por isso acredito que ele é um texto para ser lido e relido milhares de vezes. Um texto como esse é essencial na vida de quem ama literatura.
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Sobre o conto:
O conto presente em Árvore e Folha não me agradou em sua plenitude. Ele é interessante, mas bem confuso. Trata da história de Migalha, um pintor que se encanta por um dos seus quadros. No decorrer da narrativa ele se encontra em uma situação bem louca envolvendo uma magia pouco cativante.
O "livro" é bem escrito, mas a história não tem o peso que eu esperava. A minha nota 4 vale muito mais pelo ensaio aqui encontrado do que pelo conto em si. Não posso ir mais além de minha explanação, porque seria uma missão complicada não dar spoiler. Ainda assim, indico este livro como um todo. Ler Tolkien é sempre uma viajem gratificante, intelectual e reflexiva!