Alle_Marques 24/12/2023
“Foi durante um sonho”
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[...] “Você está maluca? Por que está jogando tudo isso fora?”
Afastei os sacos plásticos e agarrei o pulso dela. Para minha surpresa, sua mão estava tão firme que só consegui fazê-la largar as embalagens quando meu rosto já estava vermelho de tanto fazer força. Massageando o pulso direito avermelhado com a mão esquerda, ela falou num tom de voz usual:
“Eu tive um sonho.” [...]
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É uma leitura, fácil, rápida, fluida e arrebatadora, uma escrita bem feita e direta ao ponto, uma história não convencional, original, imprevisível e personagens complexos, desagradáveis e problemáticos na medida certa para tornar a história o mais realista possível, a obra, embora mantenha os pés no chão o tempo todo, flerta com o sobrenatural, ainda que, apenas como uma pequena sugestão, ela é tensa, complexa, cheia de metáforas, críticas e situações angustiantes, ela incomoda, nos deixa aflitos e inquietos, tudo coopera para tornar a obra tão única, além disso, a autora usa do desconforto e estranheza proporcionada pela leitura para aprofundar a narrativa e os personagens, além de enriquecer a obra e nos permitir enxergar com mais clareza as sutilezas presentes nela e na protagonista título.
O livro é dividido em três partes, sendo cada uma delas narrada por um personagem diferente, isso casa muito bem com a trama apresentada na obra, pois nos permite vislumbrar os mesmos fatos, os mesmos personagens e os mesmos acontecimentos, mas por pontos de vista diferentes, diversos e, muitas vezes, opostos. A escolha dos personagens narradores também foi bem inteligente, eles contribuem para nos ajudar a compreender as situações e bizarrices, enquanto mantem o mistério entorno da protagonista, já que, ninguém, nem mesmo os mais próximos dela, conseguem explicar ou compreender suas excentricidades.
É muito mais do que uma história sobre os hábitos alimentares de alguém, é sobre se relacionar, sobre ter empatia, é sobre família, solidão e abusos, sobre problemas mentais, depressão, relacionamentos tóxicos e medo, é sobre mudanças, sociedade, impulsos primitivos, preconceito e a morte, é triste e melancólico, mas corajoso e ousado, ele nos incentiva a refletir, olha para nosso interior, e como só um incentivo não basta, ele também nos convida a não virarmos o rosto quando estivermos diante dos motivos pelos quais fazemos o que fazemos e somos o que somos.
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[...] Ao menos uma vez, uma única vez, eu queria gritar bem alto. Queria sair voando pela janela escura deste quarto. Será que assim essa massa que me aperta o peito vai sair do meu corpo? Será que isso é possível?
Ninguém pode me ajudar.
Ninguém pode me salvar.
Ninguém pode me fazer respirar. [...]
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1° Livro de 2023, 1ª Resenha de 2023
Desafio Skoob 2023