Juliana 23/11/2023
Um livro sobre desejo e sexualidade humana.
Pra mim, o livro é dividido em três partes e três facetas diferentes do desejo. A vegetariana que deseja, mas se angustia com esse desejo e acaba por reprimi-lo. O cunhado que deseja e se esforça por satisfazer seu desejo a qualquer custo. A irmã que parece não desejar e vive o vazio de si e o desejo do outro.
Os desejos da vegetariana vêm à tona em seus sonhos, que Freud já dizia ser a realização dos desejos do indivíduo de forma inconsciente. De forma muito sutil nos é apresentado o passado e contexto dessa mulher que viveu desde a narrativa de seu ex-marido agressões e micro agressões durante toda sua vida. É marcada uma passagem em que um cachorro a morde, a machuca, e o pai após matar este cachorro de forma violenta, faz a família comer este que a machucou. A vegetariana tem de alguma forma essa cena internalizada, e após ser agredida durante o tempo de uma vida toda, deseja também machucar, agredir e comer esses outros todos que a machucaram, mas a angústia desse desejo é mais forte e decide não ingerir mais carne alguma. Talvez por ela também ser carne, deseje ali se machucar também.
O cunhado de forma diferente, deseja essa mulher. Não exatamente essa mulher, mas a primitiva e infantil mancha mongólica que a vegetariana tem em seu corpo e põe tudo o que construiu socialmente a perder pela realização desse desejo. À princípio se vê ele tentando realizar esse desejo de forma aceitável, mas a satisfação e o que se torna algum tipo de “necessidade” fala mais alto.
Já a irmã vive de vazio e tristeza. Continua pela sobrevivência de seu filho, para proteger e cuidar de sua irmã. Se não fosse a permanência da vida de outras pessoas, talvez ela não protegesse e cuidasse de sua própria existência. Em uma das passagens do livro, na terceira parte, é dito que ela acordava recorrentemente às três da manhã; pela medicina chinesa, os órgãos trabalham mais ativamente e tentam se regenerar em horários específicos da madrugada, por um relógio biológico natural. No horário das 3 da manhã é o pulmão que se ativa e está conectado às emoções de tristeza e dor.
Durante o livro acompanhamos o estágio de humana, em que deseja e reprime, para um animal que urra e só pensa em satisfazer suas necessidades, até chegar em um vegetal que não deseja nada. Assim como a própria vegetariana passa pela transição de humano – animal – vegetal, os personagens narrantes de cada capítulo também podem ser interpretados como humano (o marido completamente social e preocupado com o que vão pensar e se atendo a regras sociais) – animal (o cunhado que satisfaz sua necessidade) – vegetal (a irmã que não deseja por si e funciona como um pulmão da família, assim como árvores são do planeta).
A vegetariana deixa de ingerir a morte para se tornar um ser sem desejo. Toda vez que desejamos algo, que um prazer se satisfaz, uma dor em algum lugar também é instaurada. Viver é conviver com prazer e dor simultaneamente porque somos sociais. Ao final do livro estamos por um fio, uma linha tênue do que é aceitável socialmente ou não. Afinal por que não seria permitido querer morrer?