Ana Alice 30/07/2023
Perturbador
Pensei muito sobre como deveria classificar esse livro. Eu não gostei dele. De verdade, o livro me incomodou e me deixou extremamente desconfortável. Assim que acabei de lê -lo, senti uma espécie de alívio por finalmente ter acabado. Ainda assim, eu lhe dou 4 estrelas, porque, em seu propósito, o de deixar o leitor perturbado, ele funcionou perfeitamente.
A obra narra a história de Yeon (me perdoem pela abreviação, não sei escrever o nome completo dela de cabeça), a partir de três vozes, sendo nenhuma a dela. A escolha desses pontos de vista narrativos já é um grande acerto da autora; ajuda a reforçar o principal ponto da trama: a maneira como uma mulher lida com o silenciamento da sua voz.
Há diversos pontos fascinantes a respeito desse livro: o vegetarianismo (que lhe foi atribuído, não autoafirmado), como recusa aos estigmas sociais domésticos e femininos, com um recorte especial ao patriarcalismo coreano; a relação feita entre esse modo de vida e a sua motivação: "eu tive um sonho..."; a maneira crua com que o marido relata a propria violência com a sua esposa, acrescentando complexidade à imagem da mulher. O primeiro ato é o mais chocante, e arrisco dizer o melhor, porque nos introduz ao processo lento da rejeição de Yeon à carne - e a tudo que a carne significa -, com direito a um ponto de clímax. O segundo ato é bizarro. Após 2 dias de leitura, ainda não consigo dizer que absorvi a mensagem dessa parte. Mais uma vez narrada pelo ponto de vista masculino, esse ato nos apresenta a uma outra face de Yeon, que mescla erotismo, poesia, transcendentalismo e acredito que até um pouco da questão de inocência, atrelada à mancha mongólica. Por fim, o terceiro ato é o melhor. Neste, a voz narrativa é feminina e próxima da protagonista, de maneira que alguns aspectos da psique de Yeon são revelados, causando até um pouco de identificação do leitor com a personagem. Somos apresentados ao passado da vegetariana, de forma que é possível compreender a sua aparente "loucura" como uma fuga de toda a violência, direta e simbólica, sofrida pelo marido, pelo pai e pela sociedade como um todo. O relato da irmã de Yeon é delicado, sensível e triste, e retrata a sensação de estranhamento de mundo e de não pertencimento de uma maneira bem mais explícita do que os atos anteriores. É nesta parte também que as atitudes de Yeon começam a fazer mais sentido. É quase como se ela quisesse negar a humanidade e regressar a um estado anterior à existência.
Concluindo, "A vegetariana" é uma obra complexa, difícil, diversas vezes desagradável. Ainda assim, é um daqueles livros que nos fazem nos sentir estranhamente simpatizantes com a dor da protagonista. No fim, é quase como se o desconforto viesse da reflexão de que, sob determinadas circunstâncias, poderíamos ter o mesmo fim de Yeon.