Ceile.Dutra 25/01/2014"E não há amor na minha casa, somente regras."Você pode ler a sinopse de Minha Metade Silenciosa e relacioná-lo com outros livros, mas eu já adianto que ele é diferente. O protagonista não tem mais a inocência de uma criança, apesar de ainda estar descobrindo muitas coisas. A vida que ele leva é cheia de regras impostas pelos pais - ele não sabe o motivo, as coisas só são assim. As punições são absolutamente severas e desumanas e, apesar de incômodo e inquietação, Palito acha que a vida em família é realmente assim, afinal, esse é o jeito que a dele sempre foi. E a narrativa é isso: a vida de Palito como ela realmente é, sem a perspectiva de intervenção externa.
"Eu me movia com cuidado para onde quer que fosse. Não conseguia ouvir nada que eu mesmo fazia, mas me perguntava o quanto eu deixava o mundo deles barulhento, já que eles tinham duas orelhas e tudo."
É até complicado falar que este é um livro lindo, porque, bem, a história não é exatamente feliz, sabe. Diante da realidade dos personagens, algumas coisas são animadoras, como a amizade entre Palito e Emmy e o afeto da família dela com ele. Mas, no geral, a história é dolorida. Me senti com as mãos atadas , numa situação que eu só podia observar e lamentar. O que agrava esta sensação é saber que esta história não é tão ficcional quanto parece: muitas crianças e adolescentes passam pelas mesmas coisas dentro de casa e a gente só observa. Deve haver tanto barulho em meio ao silêncio, não? Como eu queria pegar este menino no colo e falar que está tudo bem, porque parece que é exatamente isso que falta.
Um beijo, uma porrada, um abraço. Coisas inéditas na vida de Palito - o garoto que está entrando na adolescência e tendo descobertas, experimentando coisas novas, sensações que o deixam constrangido, mas são inevitáveis. Tudo parece tão confuso, mas ele não tem com quem conversar sobre isso. Quem vai responder tantas perguntas? Há uma devoção entre os irmãos que é reconfortante. Bosten tem mais que aquele cuidado de irmão mais velho - ele suporta coisas que Palito nem imaginava -, ao mesmo tempo em que conta com o apoio do irmão - seja para se divertir ou guardar segredos.
"E a minha janelinha,
e o nosso jeito secreto de fugir,
e tudo o que Bosten e eu tivemos na vida foi um ao outro."
O livro é rodeado de símbolos - seja no acúmulo de habilidades do protagonista (tem que ler para entender do que ele é capaz) ou quando, algumas vezes, as falas são espaçadas assim e o texto é alinhado à direita. É o mundo pelos olhos e ouvido direito de Palito.
Como eu já esperava, a resenha não saiu como eu gostaria, mas não é assim que ficamos com livros que gostamos muito? Queremos falar tudo, mas não queremos estragar a história. Há tanto para se dizer, mas não dá pra colocar em palavras, entende? Este é o tipo de livro para ler uma vez e pensar sempre. Não por alguma possível lição que este possa passar, mas porque ficamos íntimos dos personagens - são como conhecidos nossos, alguém de quem ouvimos uma história e queremos encontrar novamente, nem que seja para saber se está tudo bem. Ou, no caso do Palito, se ele ainda usa a camisa da Sex Wax.
"E nada do que aconteceu conosco fazia sentido se eu não deixasse os verdadeiros monstros que nadavam em minha cabeça aflorarem e mostrarem seus dentes. E não há amor na minha casa, somente regras."
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