Henrique 24/07/2022
É bom se você permitir que seja...
O livro se mostra como uma grande narrativa contada pelo personagem criado por Joseph, como uma forma de representação da sua visão e experiências, Marlow, que é um marinheiro em companhia de outros personagens que existem apenas como espectadores para sua história. E assim segue-se o livro, um grande relato de Marlow (Joseph Conrad) sobre sua experiência ao trabalhar para uma companhia de exploração de marfim na região do Congo.
A história, em si, é simples e direta. Um homem adentra no coração da floresta a fim de encontrar um ser tido como mítico por grande parte do livro, tendo como fim e “clímax” a relação entre ambos. Conrad torna esta premissa interessante ao utilizar-se dos comentários de Marlow. Tudo ocorre de acordo com a visão do marinheiro, os sentimentos que dão vida à floresta, e, ao mesmo tempo, desumanizam certos personagens, tornando-os desde conceitos abstratos a divindades, que deixam a narrativa muito mais rica e profunda.
O que se inicia como uma mera exploração ao coração da mata, torna-se uma queda em espiral pelo âmago da maldade e irracionalidade do homem. Porém, Conrad não nos dá respostas, apenas questionamentos. Esta característica pode ser vista como ponto negativo da obra, mas acredito ser a intenção do autor; demonstrar o quão irracional e sem sentido o ser humano pode ser quando em ambiente tão hostil, em meio à desordem causada pelos próprios colonizadores, tidos como aqueles que trazem a civilização aos “selvagens”.
Coração das Trevas é uma narrativa muito rica em interpretação e conceito, porém é refém do leitor. Refém, pois necessita que o leitor esteja disposto a buscar significado em suas subjetividades; para aqueles desinteressados nisso, buscando apenas uma leitura simples, encontrarão um livro que se mostra mal escrito e lento. Em contrapartida, leitores que buscam densidade e se interessam mais em questionamentos que respostas, têm aqui um prato cheio, seja para questionar toda a situação em que Marlow se encontrar ou, até mesmo, questionar o porquê de certas escolhas do autor, como a narrativa em tempos diferentes, que, de início, nada mais é que uma forma de Marlow contar a história, mas que, ao fim, mescla-se à outra, representado pela noite densa que torna Marlow e os ouvintes nada mais que sombras e vozes perdidas em meio a ela, demonstrando a forma com que Marlow perde a clareza e o foco perante sua fascinação por Kurtz e todo o misticismo que o cerca.
Sua complexidade nasce do quanto o leitor der espaço para que cresça, podendo ir de mera história de exploração até uma exploração do quanto o coração humano pode ser distorcido e irracional. O coração das trevas é o centro da floresta, da selvageria, da natureza, ou é o coração do humano que se perde em suas ilusões de grandeza, trevas nascidas ao se jogar “luz” no desconhecido ?