Vivian San Juan 23/06/2017“Ele tinha feito pela melhor razão do mundo. Por amor.”“Fique onde está e então corra!” é o segundo livro que leio de John Boyne, o primeiro foi o famoso “O Menino do Pijama listrado”. Ambos tem duas semelhanças: o pano de fundo são as guerras mundiais que aconteceram no século XX e o protagonista é uma criança com seu olhar puro diante do caos. Se você leu e amou o grande sucesso do autor, com certeza vai se apaixonar por esse livro também. Mais uma vez Boyne acertou em cheio na delicadeza em passar uma história fictícia, mas ao mesmo tempo tão real enfrentada por inocentes e suas famílias quando se vivencia uma guerra.
A sinopse do livro praticamente conta o que precisa saber sobre a história. Alfie é um menino inteligente, corajoso e bondoso que vê sua vida ser transformada quando seu pai vai para a Primeira Guerra Mundial. Georgie, o pai, se alista como voluntário a contragosto de toda sua família e Alfie acaba precisando conviver com uma nova realidade. Sua mãe, Margie, agora quase não para em casa, pois precisa sustentá-los e para isso trabalha dia e noite como enfermeira e lavando/costurando roupas para fora. Alfie, vendo o sacrifício da mãe, se aventura em trabalhar como engraxate em uma estação de trem. As únicas notícias que ambos tinham de Georgie chegavam através de cartas. Ele sempre escrevia, mas com o passar do tempo as cartas pararam de chegar, e o menino começou a suspeitar que havia algo de errado nisso. Aos poucos ele vai descobrindo o que aconteceu com seu pai e vai buscar forças para conseguir consertar tudo o que a guerra lhe causou e ter sua família de volta novamente.
"_ E quando você vai dormir? _ Ah, eu durmo quando estiver mor... _ Ela parou de repente, suas bochechas corando. _ Não temos escolha, Alfie. São tempos difíceis, você sabe."
Nesse período também vamos conhecer outros personagens que complementam a história e que não estão por acaso inseridos nela. Todos tem uma função, que de início não nos damos conta, mas à medida que a leitura se desenvolve, vamos percebendo a importância de cada um no contexto e ficamos maravilhados com a forma que foram estruturados e interligados pelo autor. Desses personagens, vou citar um que me conquistou, simplesmente pelo fato dele ter como guia os seus ideais e lutar por eles, independente do que possa acontecer. Estou falando do vizinho de Alfie, o Joe Patience.
"_Existem vários jeitos de colaborar com os esforços da guerra _ ele disse_ Só não sei se matar pessoas é o mais produtivo. _ Mas talvez você não tenha escolha _ela respondeu _ Agora são só voluntários, mas se as coisas não acontecerem do jeito que a gente quer, então... _ Sempre temos uma escolha, Sra. Summerfield _ insistiu Joe, agora com mais dureza na voz _ Tomo minhas próprias decisões, como a senhora sabe.”
Nosso protagonista também é outro personagem que nos inspira afeto e carinho. Muitas vezes dá vontade de abraçar Alfie e dizer o quanto ele é um menino muito especial. Sua pureza e sua coragem ganha o coração do leitor. Mesmo sendo uma criança, ele tem uma sabedoria que muito adulto não possuí e toda a sua trajetória em busca do pai é tão bem escrito, tão intenso e rico de sensibilidade, que nos envolve, como se fizéssemos realmente parte daquela situação.
Sobre a Primeira Guerra, a obra mostra um pouco (sim, não é muito, porque esse não é o foco da história) ao se concentrar em narrar os problemas que ela causou em pessoas simples e inocentes. Alguns exemplos são os relatos de Georgie em suas cartas, as coisas horrorosas que precisou ver, fazer e suportar nas trincheiras. Os efeitos que a guerra trouxe para uma boa parte dos soldados. A população sofrendo com a miséria e a escassez de recursos. O preconceito da sociedade com as pessoas que não foram para as batalhas, entre outras. Algumas curiosidades da época são citadas, transportando o leitor para uma viagem no tempo.
“_ O mundo é imenso, não é? _ disse Georgie. _ Você acha que nos outros planetas todo mundo se odeia também?”
Esse livro é narrado em terceira pessoa e tem várias passagens, tanto com Alfie como com os personagens secundários, que muitas vezes emocionam o leitor. Ele traz reflexões sobre a vida e sobre a sociedade. Alguns preconceitos referente as mulheres no início do século XX também é mencionado. Apesar de ser classificada como uma leitura infanto-juvenil, eu prefiro afirmar que é uma história levemente pueril com temas adultos e fortes escritos em uma linguagem fácil de forma sensível e apaixonante. Essa é a magia como John Boyne desenvolve suas histórias, inserindo assuntos mais profundos em um cenário real e doloroso ao mesmo tempo mantendo a sutilidade e inocência de uma criança. Acho a escrita dele simples e fascinante. O conteúdo humano que tem em cada personagem, cada capítulo, é tão enriquecedor e agrega ao leitor uma experiência única.
“Mas não foi medo que me impediu de ir, Alfie. Não foi porque eu sabia que seria ferido ou morto. Foi o oposto disso. Foi o fato de eu não querer matar ninguém. Não fui colocado neste mundo para matar meus semelhantes. Eu cresci com violência...você entende isso? Não posso suportar o que o meu velho fez comigo...Bagunçou alguma coisa na minha cabeça, mas não passou disso."
“Fique onde está e então corra!” fala sobre dor, perda, ausência, esperança, fé, coragem, empatia e acima de tudo, amor. Aquele amor genuíno, de família, de pai e filho, que vai muito além dos laços sanguíneos, mas sim de encontro de almas. No meu ponto de vista o que determina uma família é essa conectividade, afinidade e não sangue ou sobrenome. No caso do livro, Alfie e sua família possuem esse elo, o que deixa ainda mais bela a história. Essa é uma obra que jamais vou esquecer, pois ele mexeu muito comigo de uma forma que foi difícil larga-lo. Por ser um livro fino, fui tentando ler aos poucos, justamente porque não queria me separar de todos. Quando cheguei no final, foi um misto de alegria e tristeza por saber que nosso vínculo havia terminado. Gostaria de aproveitar e destacar também a capa dele, que me conquistou logo de cara. Sou apaixonada por ilustrações e quando bati o olho nele na livraria e vendo que era de John Boyne disse que um dia voltaria para compra-lo. Isso não aconteceu porque eu acabei ganhando, mas no fundo sabia que um dia eu iria tê-lo para sempre na minha estante, e principalmente, no meu coração. Se recomendo? Acho que nem preciso mais responder essa questão.
“Ele tinha feito pela melhor razão do mundo. Por amor.”
Resenha feita para o blog Saleta de Leitura: http://saletadeleitura.blogspot.com.br/2017/06/resenha-fique-onde-esta-e-entao-corra.html
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