Miguel.Moreira 22/12/2023
As etapas da traição
Não é segredo para ninguém que eu acho a fase romântica de Machado de Assis superestimada demais. No entanto, há um pensamento estrutural digno de discussão. O conto "Cinco Mulheres" é dividido em quatro textos distintos, com a mesma temática; há quem diga que Machado está falando sobre o matrimônio, eu já discordo, pois ele, claramente, está abordando a traição como um passo a passo.
[SPOILER: O FINAL, SEM SPOILER, ESTÁ INDICADO ENTRE COLCHETES]
No primeiro excerto, é abordado um amor proibido de uma jovem ao seu cunhado. A jovem por ter seus valores, opta pela solidão e entrega sua vida confiando a Deus sua morte.
O segundo trata de um casamento muito bem resolvido entre as partes, porém fica incerto se há uma traição por parte da mulher ou não. O casal realmente se ama, todavia, há uma amizade entre um homem e a esposa, mas não sabemos se houve de fato uma traição ou se ficaram apenas naquele flerte para sair da rotina do casamento.
O terceiro conta de um casal de namorados que juram amor ao outro, porém são impedidos com um arranjo matrimonial pelos pais da jovem, e aí acaba todo o "amor". Entretanto, os jovens ainda se amam, mesmo com uma senhorita recém casada, há uma tentativa de contato do jovem namorado para a mulher casada, que ainda o ama, mas evita responder suas correspondências. Ao final de tudo, o jovem amante mata o marido, e a viúva foge para longe; a traição nesta parte é um pouco obscura, podemos vê-la na simples aceitação do casamento arranjado, nos amores que a jovem nutre pelo amante mesmo depois de casada, e ao final, quando o amante mata o marido, e a jovem foge por medo de ser cúmplice, ela abandona o "amor de sua vida" por medo de uma "simples" prisão, a traição está no abandono.
O último escrito fala de duas mulheres, aparentemente amigas. Carlota é casada, e Hortência também, porém esta última é traída pelo marido, e é acolhida por sua amiga em sua casa. Ao final, é sabido que Hortência tem um caso com o marido de Carlota, esta que ama demais o marido, ao ponto de idolatrá-lo. Esta morre por desilusão, e os amantes se casam após seis meses do funeral de Carlota. Hortência se mostra uma mulher sanguessuga, e leva o marido à falência, além de traí-lo. Ao final ela se torna viúva, e tenta se redimir vivendo como moralista, apenas por sua beleza ter definhado.
[SEM SPOILER]
Eu realmente não consigo gostar muito da fase romântica de Machado de Assis, mas eu tiro o chapéu para sua estrutura de escrita, e sua técnica. O conto não passa de uma fofoca, o artifício para prender leitores sem muita concentração, mas pelo que li nas resenhas do Skoob, quase ninguém entendeu a estrutura e o tema abordado no conto (seja ele a traição ou o matrimônio). Chega a ser preocupante uma pessoa achar Machado o máximo, mas sequer entendeu a essência de sua escrita, e cada vez que eu leio resenhas nesta plataforma, mais eu desacredito do Brasil em termos de educação. As pessoas perderam a capacidade de ler um texto e interpretá-lo além do superficial, que é a narrativa, ou melhor, a fofoca.
Existe um mérito no Machado, tanto na fase romântica quanto na realista, mas o mérito não é a capacidade de criar tramas ou fofocas. Ao meu ver, sua genialidade está na matemática de seus escritos, na estrutura, e na temática implícita em sua obra. Pelo meu gosto pessoal da trama, eu daria no máximo duas estrelas, mas pela estrutura não tão escondida assim, eu avalio com 2.5 estrelas. É importante ler o máximo de Machado que puder para entender a evolução da escrita deste importantíssimo escritor brasileiro.