spoiler visualizarcaio.lobo. 06/03/2021
Nós não somos nada nesta vida.
Eu diria que Clara dos Anjos é o verdadeiro naturalismo, onde o mundo não é tão grotesco como pinta Aluísio de Azevedo e nem tão perfeito como queria Leibniz, mas é um mundo indiferente, morno, natural; às vezes há um belo pôr-do-sol e lindas poesias, outras vezes há cenas horríveis de miséria e morte, mas no geral é um mundo de gente impassível, desejos que não se realizam e sonhos mornos. É uma beleza de escrita a do Lima Barreto, que não nos deixa cair na monotonia dos momentos indiferentes.
Temos um psicopata chamado Cassi, que Lima Barreto jura que não é psicopata, mas ao menos é quase. É uma pessoa sem empatia, seu cérebro reptiliano é quem dá as diretrizes e só quer saber de gozar (em todos os sentidos) com seu egoísmo extremo. Talvez a maior falta de seus pais tenha sido o excesso de liberdade. Ele deflora donzelas pobres, as levando à perdição. Sua mente só funciona para trambiques e tramóias, mas não concatena bem a causalidade de seus atos com as moças.
Clara dos Anjos é uma bela mulata, mas totalmente caseira, seus pais não lhe deram muita liberdade e esse foi seu problema, por causa disso não aprendeu a auto-defesa num mundo cruel. Com pais totalmente apáticos e imersos em suas atividades tediosas do cotidiano, ela cresce num vazio de emoções, com isso as investidas de Cassi trazem um turbilhão de emoções que lhe aflora em plena a puberdade. Infelizmente é uma bobinha e de moral fraca. A junção de uma raposa como Cassi e da lebre que é Clara, sabemos que resultado terá, uma presa devorada. Quando se diz na bíblia qual o proveito do homem em ganhar o mundo e perder a alma, Cassi vai mais baixo, prefere perder a alma do que perder uma rápida ejaculação. É um homem instintivo, ou seja, o homem natural, um animal.
Dentre as histórias e personagens paralelos há o pior e o melhor do ser humano. A mãe de Cassi é uma senhora arrogante e esnobe, o pior tipo de gente para se ter próximo, e ainda defende o filho de suas obrigações e dos efeitos dos próprios crimes. O pai de Cassi é o único personagem que sinto realmente pena, envergonhado com as atitudes dos filhos, sempre deve refletir sobre seus erros, tenta por o patife para fora, mas a mãe com amor egoísta sempre o impede. Há um pobre poeta, que teve una curta glória, mas isso não lhe importa, o que importa é a arte, a poesia, o ideal. No seus devaneios vai se perdendo, junto com as talagadas da cachaça Parati; é o arquétipo do artista incompreendido e no Brasil onde há poucos artistas do tipo mais alto, um bom poeta para o povo é apenas um louco, um estrupício, um nada. E nada é a última frase de Clara dos Anjos, nós não somos nada, nem ela, nem a mãe, nem Cassi, nem eu e nem você, estamos todos nos perdendo.