Ivan de Melo 08/07/2020
O manual irreverente de Ellen Forney sobre o transtorno afetivo bipolar
Sabe aquela lista de quadrinhos que eu vivo dizendo que deveriam ser entregues na rua por tratarem de temas cujo entendimento deveria ser comum a todos? Pois bem, adicione a ela mais este título.
“Parafusos: Mania, Depressão, Michelangelo e Eu” é o relato autiobiográfico da quadrinista estadunidense Ellen Forney sobre a descoberta de sua condição de portadora do transtorno afetivo bipolar. Por volta dos seus 30 anos, em meio a uma agitada vida criativa e social, Ellen descobriu em suas sessões de terapia como sua vida oscilava em estágios de euforia insone, entre festas, drogas e transas desenfreadas com amigos, e episódios depressivos, quando mal conseguia se levantar da cama e fazer suas tarefas mínimas, além de fases assintomáticas em que sentia-se novamente no controle das situações. Com as necessidades derivadas da descoberta e num complicado processo de denegação, Forney narra seu receio de embotar suas sensibilidades, e logo seus processos criativos enquanto artista, com o uso da medicação indicada para o seu quadro, um medo dotado de estigmas que a autora aprende a lidar com o passar do tempo.
Chama a atenção como essa narrativa de si é permeada de um humor irônico que não coloca a autora como uma vítima do destino e nem como a heroína que vence no fim, pelo contrário, Forney conta uma luta pessoal cheia de altos e baixos decorrentes do transtorno e como se apropriou do tema tateando sua aproximação e sua própria aceitação enquanto mulher bipolar. Este processo levou Forney a pesquisar sobre outros personagens que compartilhavam consigo o estereótipo de “artistas loucos” descobrindo em nomes como Vincent Van Gogh e Sylvia Plath motivos para, diferente destes, escolher a vida e entrever até mesmo um certo charme em pertencer a este distinto clube. Hoje Forney é uma das principais vozes públicas que discutem o transtorno bipolar e os processos de medicalização em eventos, em suas redes sociais e em seus trabalhos.
A leitura acompanha os estados emocionais de Forney e nos leva a ataques de riso e também ao acúmulo das lágrimas, o que nos faz admirar a intensidade da autora frente a vida e as suas escolhas. Para os leigos no assunto como eu, e a grande maioria que não possui o transtorno ou não é profissional na área, a obra consegue trazer um leque de informações essenciais sobre a bipolaridade da sua tipologia ao reconhecimento de sintomas e cuidados com aqueles que os possuem. Se você conhece pessoas próximas que têm o diagnóstico confirmado, esta pode ser uma ótima leitura para a melhor compreensão das flutuações de humor comuns, além de apresentar um bom exemplo de trajetória que afugenta quaisquer estereótipos paralisantes relacionados ao quadro. Fica a dica!