Fran 21/12/2020
O terror da realidade
Eu não sou uma grande leitora deste gênero, então peguei este livro sabendo que estaria fora da minha zona de conforto. O que eu são sabia é que estava prestes a me deparar com um terror muito mais assustador do que qualquer outro tipo: o horror do cotidiano, das mazelas que cercam a vida das grandes cidades, da própria maldade humana e, acima de tudo, o horror de ser mulher em um mundo onde isso ainda é tão perigoso.
Todos os contos do livro possuem algum toque de sobrenatural, e isso fica mais evidente em uns do que em outros, no entanto, o grande diferencial da obra é a forma como a autora evidencia que que o real é quase ou mais macabro que o fantástico. Ler sobre crianças decapitadas em rituais, mortos que ressurgem ou casas mal-assombradas pode até dar medo, mas nem se compara à sensação perturbadora de ler sobre tudo isso e descobrir que estes entes de outro mundo causam menos mal que as coisas reais com as quais nos deparamos todos os dias e nem sempre estamos atentos o suficiente para enxergá-las.
Eu gostei muito de quase todos os contos, com destaque especial para Menino Sujo e o conto que dá nome ao livro, as coisas que perdemos no fogo. Este último conto compila bem um tema recorrente nos demais: as diversas posições da mulher dentro da sociedade e a forma como ela é vista e tratada em cada uma delas. É quase como se cada uma das personagens femininas ao longo do livro fosse, em algum momento, julgada e condenada à fogueira (às vezes até por si mesma).
Quem tem problemas com finais abertos pode não se dar tão bem assim com o livro, pois essa é uma característica comum a todos os contos, mas mesmo assim acho que é uma leitura válida, porque a obra traz críticas sociais e reflexões tão importantes, que os finais em aberto se tornam irrelevantes perto da grandeza do desenvolvimento dos contos.