spoiler visualizarLeila de Carvalho e Gonçalves 03/07/2018
Fenômeno Literário
Em 2006, um elogioso artigo do escritor irlandês Colum Mccann para o jornal "The Guardian" chamou atenção para um romance praticamente esquecido: "Stoner". Escrito por John Williams, em 1965, o livro havia vendido pouco mais de 2.000 exemplares, mas seu destino estava prestes a mudar. Em pouco mais de dez anos, ele se transformou num fenômeno literário, capaz de reunir uma legião de admiradores espalhados pelo mundo, ao relatar a comovente história de um homem comum que soube enfrentar com dignidade e estoicismo as decepções da vida.
Trata-se de William Stoner, um professor assistente de literatura na Universidade de Yale. Indo de 1910 até meados da década de 50, a narrativa apresenta sua rigidez aos estudos, a dedicação ao ensino, o casamento infeliz, o distanciamento dos pais e a difícil relação com a única filha. Também revela a descoberta do amor em sua plenitude durante a maturidade, porém, incapaz de enfrentar as consequências de um divórcio, ele se afasta.
Em prosa linear, a qualidade e a elegância da escrita de Williams surpreende assim como sua maneira lúcida e sensível para abordar assuntos difíceis. Um bom exemplo é quando o jovem Stoner, ao ler um soneto de Shakespeare, resolve trocar o bacharelado em Ciências Agrárias (sua familia possui um uma pequena propriedade rural) pelo curso de Literatura. No entanto, o grande destaque são os dois últimos capítulos, simplesmente deslumbrantes. Apresentando a aposentadoria do professor e a descoberta de um câncer em estágio avançado, seu progressivo desinteresse pelas miudezas cotidianas e a dor cada vez mais pungente, amenizada pelo efeito dos narcóticos, soa assustadoramente real até o último momento marcado pela leveza e a paz.
Todavia, o sucesso do livro não se deve apenas a Stoner. Ele deve ser dividido com dois grandes vilões, ou melhor, duas personagens complexas cujos segredos (sugeridos mas jamais relevados) são cruciais para o desenvolvimento do enredo. A primeira delas é Edith, esposa do protagonista, cuja repugnância ao sexo destrói o casamento. Enfrentando um problema considerado tabu na época, não seria surpresa se ela fosse mais uma vítima de abuso sexual na infância e o principal suspeito é seu pai. A maneira como ela age após o suicídio dele e o empenho de afastar a filha do marido, conforme Grace se aproxima da adolescência, justificariam essa hipótese. A segunda personagem é Hollis Lomax, o chefe do departamento de Literatura, cuja ira contra Stoner excede o bom senso, desde que ele reprovou (com justiça) um doutorando, Charles Walker. Curiosamente, esse sujeito e Lomax são deficientes físicos, esse fato já é suficiente para explicar a retaliação profissional imposta a Stoner, porém, não deve ser descartada a hipótese de uma relação afetiva unir a dupla.
Enfim, "Stoner" é um livro marcante, especialmente, para quem aprecia literatura. Publicado por uma pequena editora no Brasil, a Rádio Londres, seus títulos merecem atenção, pois são uma boa opção de leitura para quem pretende fugir do óbvio.
Nota: O texto foi revisado na segunda edição.