GioMAS 06/07/2023
Obra pioneira consagrada como o clássico do terror
Permita-se, por um instante, imaginar a sensação de produzir algo único, inovador. Imagine-se como o criador, a máquina propulsora de um conceito jamais experimentado, uma tendência artística singular.
Permita-se devanear nas veredas de minhas abstrações: a caneta desliza entre seus dedos em ritmo acelerado, delineando traços precisos, dançando sobre o papel, enquanto materializa em palavras uma profusão de inventividade e erudição.
A redação, outrora mero lampejo literário, ganha forma, robustez.
Assim, concluído o processo criativo, o que se tem é uma obra autoral inédita, formulada a partir de um compilado de critérios estruturais, contextuais e semânticos, mesclando aspectos sociais, emocionais e políticos.
Apesar de se assemelhar com outros estilos, sua criação extrapola as tendências vigentes, harmonizando razão e supertição, formas antiga e moderna de romance.
Pois bem, em meados do século XVIII, período de ascenção das ideias Iluministas, com disseminação do conhecimento e razão, em detrimento do pensamento religioso e misticismo, Horace Walpole inaugurou um novo gênero literário, posteriormente denominado de romance gótico ou, em termo mais vulgar, terror sobrenatural.
O autor explora a vivência humana, aludindo, neste ponto, ao "lugar comum", aos costumes, hierarquia, posição política, amor, ódio, interesses econômicos, ou seja, aquilo que é palpável, mundano. Porém, contrapondo-se aos elementos tipicamente iluministas, serve-se do substrato sobrenatural, descreve fatores destabilizadores da razão, incompreensíveis e inexplicáveis, senão nas raias da fé.
A quebra dos paradigmas estabelecidos na Modernidade, a sobreposição entre entre imaginação e empirismo, estabeleceu os contornos da ficção de terror, pautada nos dramas e experiências humanos, com apelo ao extraordinário, oculto, intangível.
A ambientação da narrativa também consagrou a nova tendência. O terror, não raramente, utiliza o espaço físico como objeto central da trama, sem o qual não seria possível estabelecer os conflitos motivadores do enredo.
O castelo surge, neste contexto, como âmago da narrativa. A estética que remete à idade média, com suntuosas e sombrias edificações, repletas de ecos do passado, firmou -se como símbolo do romance gótico.
Ironicamente, a obra, até então, inovadora, serviu de base para diversas outras, fornecendo elementos hoje considerados clichês - a casa assombrada, vultos, vozes, ambientes escuros e taciturnos, influência de maldições, seres disformes, paisagens noturnas, existência de vínculo incerto entre personagens reais e figuras empíricas, repercussões negativas de eventos passados no presente, embates entre o bem e o mal, tirania, pureza, mistério, segredos, inconstância emocional etc.
O Castelo de Otranto reúne todos esses componentes e, ainda assim, reproduz dramas novelescos, diálogos exagerados e teatrais, com teor fortemente moral, tanto é que nos conta, em síntese, sobre paixões, matrimônio e questões familiares mal resolvida.