Tiago.Cecconello 29/05/2023
3 DIAS E ALGUMAS HORAS DE AMOR VALEM MAIS QUE QUALQUER COISA
De Hemingway, eu tinha lido apenas o Velho e o Mar, há uns 20 anos, e gostei bastante da obra. Resolvi revisitar o escritor e ler a sua grande obra: Por Quem os Sinos Dobram.
Primeiramente, o livro segue o estilo de linguagem do autor: simples, pragmático e prosaico. O enredo também é muito simples e MONÓTONO. Quem espera um livro com grandes reviravoltas e um estilo de literário rebuscado e rico, poderá ficar decepcionado, pois o mérito de Hemingway está no subtexto e na temporalidade. Se você sair de Thomas Mann, Victor Hugo, Nabokov, Flaubert, entre outros, que possuem uma escrita rica, detalhista e profunda, você poderá estranhar e até, injustamente, a meu ver, achar Hemingway “meia-boca”.
É importante explicar que a MONOTONIA talvez seja o recurso mais importante da obra de Hemingway, ainda mais tendo como temática a Guerra Civil Espanhola. Aquilo que muitas pessoas chamam de CHATO, uma história em que NADA ACONTECE, é a chave para aproveitar melhor esse livro. Para entender isso, precisamos enxergar a Guerra sob o ponto de vista TEMPORAL. Em um guerra, NINGUÉM TEM TEMPO. Se você é soldado, ordens são dadas e você tem que executá-las, sem questionar. Se você é civil e nem entende direito porque isso está acontecendo, ou é totalmente contra, não pode fazer nada, tem que fugir ou se esconder. A Guerra é um tsunami criado por poucas pessoas que arrasta todo mundo que aparecer no caminho.
Em um cenário assim, surge gente como Robert Jordan, o personagem principal do livro. Ele representa todo aquele revolucionário maniqueísta extremamente apaixonado pela sua causa, que acredita fervorosamente na sua ideologia. Ele é enviado pelas forças em prol da República para cumprir uma missão: explodir uma ponte. Para realizar o feito, ele se junta a um grupo de guerrilheiros, que vivem em uma caverna, próximo ao alvo, e convive com eles por quase 4 dias. E é nesse cenário bucólico e monótono, onde as pessoas TEM TEMPO DE SOBRA PARA PENSAR E ACESSAR SUA CONSCIÊNCIA, que as coisas acontecem.
O Robert Jordan que chega à montanha é um homem que só tem olhos, ouvidos e atenção para a sua missão. Ele chega a dizer, para seu superior, antes de assumir a missão, que não tinha tempo para garotas. As únicas palavras que ele proferia, feito uma marionete, eram: TENHO QUE EXPLODIR A PONTE, ACIMA DE TUDO, E SÓ ISSO, MINHA VIDA É ISSO. Eis que na montanha a convivência com outras pessoas, sobretudo com a jovem chamada Maria, começa a modificar a visão de vida e, até mesmo política, do rapaz.
Robert Jordan começa a ouvir relatos sobre a guerra, entre eles, talvez o mais forte do livro, sobre o massacre que os guerrilheiros fizeram executando cruelmente as pessoas supostamente fascistas da cidade que conquistaram. Nessa passagem podemos ver, por exemplo, o efeito TRIBAL, que ocorre quando um grande grupo de pessoas, hipnotizado pelo senso de tribo, comete atos irracionais de violência (efeito visto em torcida de futebol, por exemplo). Também podemos ver a famosa BANALIDADE DO MAL, tão estudada por Arendt, em que pessoas comuns obedecem às cegas, de forma burocrática, ordens para cometer atrocidades.
Interessante que Hemingway, que sempre foi associado à esquerda e à causa republicana, mostra, de forma imparcial, que o lado que ele defende também pode ser cruel e cometer atrocidades. Outro tema abordado também é a burocracia e a boa vida que alguns figurões militares levam enquanto os soldados-peões precisam cumprir ordens e executar missões mal compreendidas e justificadas.
Robert Jordan teve 3 dias e algumas horas para se questionar que o que estava fazendo talvez não tivesse sentido, que o lado que ele estava defendendo é tão cruel e desumano quanto o inimigo, e que o amor e a amizade, sim, pode ser um propósito muito maior que qualquer outra coisa, e que três dias e algumas horas dele valem uma vida inteira. Em diversas passagens, Hemingway faz seus personagens agirem irracionalmente, sem saberem ao certo pelo que estão lutando.
O livro é uma crítica poderosa contra a guerra e a desumanização que ela gera. Quando um soldado é solto para matar, ele atira em números. As mortes são contadas em números. Os nazistas colocavam números nos judeus. Porém, do outro lado existem irmãos, pais, filhos, todos peças manipuladas por ideologias, que agem burocraticamente e ideologicamente, não com uma crueldade premeditada, por quem os sinos dobram.
Da próxima vez que você ouvir um sino, saiba que ele dobra por alguém que tinha nome!