spoiler visualizarAmanda 16/05/2024
Ainda me recuperando.
Caramba. Tive que esperar pra tentar começar a escrever algo sobre esse livro. Justiça seja feita, me avisaram - me falaram: "Existe uma vida antes e uma após Elena Ferrante", "Você vai ter uma experiência transformadora", "É uma sensação única". E eu realmente acreditei em todas essas informações, não é como se eu tivesse qualquer expectativa diferente. Mas, caramba. É verdade mesmo. Acho que essa resenha vai ficar meio bagunçada. Não sei direito o que falar, só sei que quero muito externalizar meus sentimentos.
Ao comentar sobre a obra com uma amiga, falei que parece que é feita de oxigênio, matéria prima ou de ser humano, como se fosse tão natural como um organismo. A verdade é que ler esse livro é como mergulhar no fluxo de pensamento de alguém tão real quanto nós mesmos de uma maneira assustadora porque permite uma identidade de pensamentos íntimos tão honestos que não há outra saída a não ser se encarar no espelho.
Encarar-se no espelho e tentar se retirar da narrativa foram sentimentos conflitantes que tive durante toda a obra - reconheci que Elena escreve brilhantemente sobre pensamentos que conheço no meu âmago, mas tentei, ao máximo que consegui, separar-me das personagens para que as lesse de maneira independente.
E que figuras reais, que meninas apaixonantes. Que meninas ao mesmo tempo miseráveis. Miseráveis no sentido mais penoso da palavra, que meninas mergulhadas em um mundo que quer lhes retirar a esperança e os sonhos, e que meninas cheias de amor e paixão. Há uma inocência na crueldade infantil experimentada por Elena e Lila, misturada com a crueldade materialista em que são inseridas onde vivem, que é sufocante.
Conduzindo a narrativa de desenvolvimento feminino em um cenário de miséria econômica, violência de gênero e paradigmas heteronormativos, a história dessas duas meninas é marcada pela tragédia - e, mesmo assim, em seus desencontros cheios de raiva, inveja, competitividade, elas precisam se encontrar, precisam se amar, precisam uma da outra, precisam que a outra floresça. A liberdade de uma se situa na outra.
E, para além de tons românticos, os quais para mim estão em toda a obra, Elena escreve com maestria sobre relações femininas e suas nuances, que passam por necessidades quases sociais de vilania, comparação, dependência, admiração, libertação, cuidado, julgamento, amor - não apenas na relação de Elena e Lila, mas as figuras femininas apresentadas, como as mães, as amigas, as conhecidas do bairro, todas estão dentro desse paradigma de tribunal, com suas ações sendo disciplinadas e configurando como reais vítimas de crimes cometidos por homens ao seu redor, tidos como acontecimentos cotidianos.
Agem assim porque são mulheres de sua época, e elas querem escapar se tornarem mulheres de sua época, e assim odeiam suas mães, suas mães as odeiam, suas mães tentam protegê-las, ninguém é bom o suficiente para ninguém, em um ciclo vicioso e violento de séculos. E tudo dói. E, ainda assim, há afeto. Há de existir afeto, ainda em meio a tudo isso.
Além disso, questões de classe, educação e economia são centrais durante todo o livro - a alienação geral provocada pelo afastamento da educação, em relação a temas como movimento social contra o nazismo e o fascismo; a distribuição de poder no bairro, também atrelada à origem do dinheiro e o movimento fascista; o conflito interno de Elena em se sentir pertencente ao bairro e seguir na academia; a súplica de Lila para que Elena siga estudando; o julgamento geral quando Lila "sacrifica seus ideais" pelo sustento de sua família.
Todas as relações perpassam o poder econômico das partes envolvidas, sendo a educação um ponto de esperança de libertação que, a curto prazo, parece muitas vezes não ter uma concretude na vida de Elena, o que a faz se desesperar. Como a vida real, correndo o risco de soar reducionista em meu comentário, o capitalismo mata e molda os que são obrigados a viver sob seu comando.
Uma coisa muito importante. O capítulo 57 me retirou o ar. Senti como se tivessem me dado um soco no estômago, ao mesmo tempo em que me abraçassem. Que escrita mais brilhante, ainda não acredito que aquelas páginas foram digitadas e impressas e eu esteja aqui escrevendo sobre elas, com lágrimas nos olhos. O amor entre essas duas meninas, que em tanto se parecem e em tanto se opõem, mais que em todos os capítulos, me parece ter sido capturado com uma clareza nesse momento.
Quero, obviamente, ler os outros 3 livros. Preciso lê-los. Anseio pelos, ainda que poucos, momentos de felicidade entre as duas.
Sobre a leitura em si, a escrita de Elena é muito fluida e os capítulos são relativamente curtos. Li o livro em cerca de 7h30min (no decorrer de 5 dias). Terminava cada trecho querendo partir para o próximo.
Termino mandando um beijo para os meus amigos (e a todos) que também já leram esse livro. Deve ter doído assim também!!!! Ai!!!!!!