Lucas Rabêlo 16/05/2021
O american way of life às avessas
Jeannette Walls é oriunda de uma família disfuncional da década de 60. Sua mãe, Rose Mary, uma artista inveterada e afetada ao simples toque de uma porcelana lascada, é filha de Lily Smith, uma mulher digna de protagonismo em westerns de calção e espingarda quando administrou fazendas desoladoras e o tradicionalismo do meio oeste americano anos antes de Jeannette nascer (homenageada pela neta e sua caneta poderosa em "Cavalos Mal Domados", tão forte quanto Castelo); e seu pai foi Rex Walls, um debandado da Força Aérea, alcoólatra e deferente a um estilo contrário ao idealizado do sonho americano. Seu ninho familiar é excêntrico, ou ainda, não compreendido aos modismos sociais impositivos e culturais. Desse cenário, nasceram as memórias postas neste compilado biográfico mágico. Há magia em apresentar a quem o segura um sobressalente ante a rachadura americana desigual entre seus naturalizados.
Direto de um microcosmo que curava feridas e queimaduras, literais, com a força do pensamento positivo e ao natural, que providenciava habitações e paisagens novas ao mundo em formação dessas crianças a cada desvelo cometido por Rex, e a caracterizar filho, quatro ao total, numa personalidade e perspectivas engrandecedoras particularmente dadas pela educação doméstica, Jeannette sabia quem era seus pais desde o princípio, bons ou ruins não são definições seguras, já que prefere estabelecer a parcialidade de seus genitores. Sua intenção é única em descrever seu passado e o contato geracionais e geográficos atravessados nos EUA pós Guerra e na caricatura impactante de comportamentos antinaturais ao americano básico, ao chafurdado "way of life" propagandeado na sua época de nascença e postergado muitos anos após.
"Castelo" se resume a uma biografia não convencional, e ainda sim parte do gênero: ela abraça seus relatos como marcas indeléveis à autora, mas superada por quase todos os integrantes deste complexo seio maternal/fraternal, e ainda garante uma classificação como obra não ficcional de formação, pois conhecemos Jeannette e seus irmãos por fios de suas vidas e comparado nossa vivência ao dos Walls, entendemos que Rose e Rex são quem são, e ponto. Coube a Jeannette se ajudar integrando sua história às muitas espalhadas fora do senso comum.