cacai 30/07/2018
Há quem tenha achado "De repente, nas profundezas do bosque", de Amos Oz, um livro bobinho e clichê. De fato a linguagem é de facílima compreensão (dá para ler em um par de horas tranquilamente) e o sentido da fábula esfrega em nossa cara algumas obviedades (que mutias vezes fechamos os olhos). Mas nada disso consegue desmerecer o brilhantismo da obra. É o tipo de leitura mais do que recomendada para esses nossos tempos, onde os julgamentos brotam de todos os lados, a intolerância parece ser incentivada e vive-se somente com base na aparência, soterrando a essência.
"Será que o deboche é uma forma de defesa para quem lança mão dele, pois o protege do perigo da solidão? Pois quem zomba não zomba em grupo, e aquele que desperta a zombaria não fica sempre sozinho?"
Trata-se de uma aldeia em que não existem mais animais e qualquer menção à sua existência no passado é silenciada. Inconformados com a maneira com a qual os adultos lidam com a questão, Mati e Maia resolvem aventurar-se no bosque e descobrir com os próprios olhos o mistério que envolve a existência de um demônio responsável pelo sumiço dos bichos. Há um quê de filosofia muito encantador. É como se a aldeia ainda estivesse presa dentro da caverna (aludindo ao mito de Platão) e julgasse de loucos os que ousaram dela sair. Ainda hoje não vemos os que querem nos impedir de questionar, que julgam que ciências do pensamento são disciplinas supérfluas?
O livro é também uma lição de empatia. Quando nos permitimos adentrar no bosque do outro, o conhecemos e, assim, conseguimos entender os seus porquês. Há que se ir sempre em busca da verdade, mas, acima de tudo, aprender a respeitar a verdade do outro, mesmo que difira da nossa. Por vezes falta em nós sermos mais Maia e Mati, seja permitindo nos lançar no desconhecido apesar do medo ou em não nos contentarmos com as repostas prontas e insatisfatórias que a todo momento recebemos.
"E os adultos? Será que era só porque eles sempre procuravam calar alguma voz interior? Ou se envergonhavam de alguma culpa?"
Há ainda vários questionamentos possíveis, sobre intolerância, discriminação, política e até vegetarianismo. Com tantas questões em pauta, como desmerecer a obra de Amos Oz?
"Pois todo aquele que de alguma forma não está disposto a se adaptar e a ser como nós, então é porque adoeceu de relincho, ou de uivo, ou do que quer que seja, e que não se atreva a se aproximar de nós, que guarde distância, por favor, que não nos contamine."