Sharon 03/12/2012Suspense psicológico "disfarçado" de chick lit?Conheci o livro pelo filme. Peguei um pedacinho dele entre um canal e outro, mas só comecei a assistir mesmo da cena do casamento pra frente. Ãn fãn. Vou falar bastante sobre o enredo, eu não ia contar spoilers, mas acabei contando. Gatinhos e letras vermelhas avisam vocês, não se preocupem. Podem ir lendo.
A história é que Henry tem essa condição genética que força viagens no tempo. Meio nada a ver, cientificamente estronha, mas eu gosto de livros com dragões, né não? Então vamos fazer de conta que essa viagem desse jeito é um dragão. Ele vai a qualquer hora, sem aviso, sem poder controlar em nada o salto. Some do presente e reaparece em certo local, certa hora, peladão. Porque nada do que ele está carregando ou usando vai com ele. Ele chega a arrancar um dente porque a restauração sempre fica no presente e encheu o saco fazer de novo e de novo.
Clare é a "mulher do viajante no tempo" do título. O primeiro encontro com Henry é numa dessas viagens. Ela está no Campo, uma clareira da propriedade da família onde vai passar um tempo sozinha de vez em quando. Mas é esquisito. Ela tem 6 anos de idade e ele, 36. Ele já a conhece do futuro. Ela nunca o viu mais pelado antes. Bom, ele é educado e não aparece constantemente pelado pra menininha, pede que ela lhe empreste a toalha do piquenique e deixe umas roupas por ali, de reserva. E por uma maluquice de seja lá quem for que rege as viagens no tempo de Henry (a Audrey, obóvio), ele vem várias vezes para o Campo e encontra Clare por muitos anos. Doze. Até o aniversário dela de 18 anos.
Só que a primeira vez em que Henry vê Clare no seu presente, na sua linha de tempo "real" (valeu, dr. Brown!), é quando ela vai procurar um livro específico na biblioteca onde Henry trabalha. Ela tem 20 anos e ele 28. Até então, ele nunca a viu na vida. Percebem? Ela o encontra por 12 anos seguidos, de tempos em tempos, constrói uma amizade, se apaixona, tchururu e ele nem sabia que ela existia! Está lá, na boa, vida tranquila de emprego bem pago, mulheres mil, punk rock ao vivo e à vontade, drogas e bebida e tudo mais. De repente aparece essa moça que sabe muito sobre ele e sobre o futuro dele. Inclusive já sabe que eles vão se casar. Deixa qualquer um meio doido...
E tudo vai caminhando a partir daí. Seguimos mais ou menos o tempo presente, com as óbvias viagens no tempo do Henry nos contando mais sobre o passado dele e sobre os encontros com Clare no Campo. Mesmo que Henry nunca realmente abuse dela, ele obviamente a seduz, e muito. Então esse sufoco que começou meio Lolita, o homem maduro que se envolve com a menininha piora. Gravemente. Clare fica presa no relacionamento, presa na espera. "Eu não o escolhi, ele não me escolheu". Pobrezinha, alguém tem que avisar a ela que o adulto sempre tem escolha. Sempre. Ele não precisaria dar um caderno a ela com todos os dias em que iria aparecer no campo. Assim ela não iria esperá-lo em cada dia. E assim por diante. Henry é ativamente culpado pelo "amor sem escolha" da Clare.
Então ela espera mesmo quando não DEVERIA. Se apaixonar em criança por um homem que promete se casar com você, sem que você tenha dúvidas disso torna a pessoa uma grande maluca. Clare beira o suicídio ao tentar, ao custo de seis abortos, ter um filho. Tem que ser DELE. Hein? Dragões, lembram? Mas se for pra levar a sério é como uma purgação da paixão proibida. Como história de amor o livro é assustador. A devoção sem fim ao eterno amado passa do brega e vira obsessão. Terror psicológico disfarçado de Sabrina.
Tem mais coisas que me incomodaram. A vida idílica da mãe do Henry quando ele é bebê e até os cinco, seis anos, mais ou menos. Como assim, sempre sorrindo? Como assim, sempre feliz? Sempre alegre? Que pílula ela tava tomando? Ou o Henry era muito quietinho e comportado e imune a doenças? Bom, ela tinha uma vizinha / senhoria / babá / cozinheira perfeita (outro dragão) Sempre, sempre, sempre feliz? Devia ter um parafuso meio frouxo a tal senhora.
E eu acho que já passamos dessa fase "início de século", quando o bom era ser artista blasé intelectual poser. Lembram deles? Escrevendo "Afff..." e "Humpf" pra demostrações animais de humanidade? É, eu lembro. O livro é de 2003, quando gastronomia, arte e decoração eram o tesão do mundo e vendia livro de qualquer coisa, até chick lit de viagem no tempo. Agora enchem o saco. Pulei um tantinho essas partes, mas confesso que gostei quando o blábláblá era sobre livros e punk rock. Os trechinhos com punk renderam dois posts legais. Um já saiu, a lista de bandas do Henry.
Só que aí eu vejo no good reads povo dichavando o livro porque as personagens femininas são estereotipadas, tem a mammy, tem a oriental zen, tem a poeta wanabee rica e depressiva. Que a família da Clare tem cinco empregados (eu não tinha contado!) e que isso é coisa do século retrasado. E é mesmo, pelo menos nos EUA. Aqui é até comum por isso acho que não reparei tanto. Cozinheira de família fazendo receita de peru de 48 horas? Que trabalham durante a ceia de Natal ao invés de ir pra casa com a família? E não, espere, tem mais: pra família poder ir na missa do galo, a governanta passa a noite de natal inteira em vigília à patroa em crise. E daí eu fico pensando se não era a intenção da autora deslocar um pouco o tempo de todo mundo e lambuzar nossas referências, como se todos os personagens fossem, no fim das contas, um pouco viajantes no tempo também. Se for isso mesmo, eu tenho que aplaudir. Mas parece que não é, é pura norarobertice mesmo.
Mas eu gostei do livro, que pra mim acabou sendo um bom suspense psicológico. E chega de resenha!
Três estrelinhas. Em cinco.
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