Dheyvison Jr. 02/04/2023
Takashi fazendo quem ama ? chorar ? (esteja avisado!)
No primeiro álbum, O cão que guarda as estrelas, Takashi Murakami mostra duas histórias que aparentemente não
eram interligadas até se conectarem de modo gradual com alguns elementos apresentados ao longo da narrativa.
Nesta nova obra, lançada no Japão em 2011, mais uma vez as histórias se complementam ? não apenas entre si ?
como também na edição anterior. Não obstante, o leitor poderá ler este volume sem necessariamente precisar do
outro, apesar de ser uma experiência mais ?completa? descobrir a saga canina na sua totalidade.
No primeiro momento, o quadrinhista mostra o que aconteceu com o outro cãozinho que estava no caixote
abandonado na rua junto com Happy, o protagonista do volume anterior. Ele mal é visto no começo de O cão que
guarda as estrelas, mas nesta edição é o centro das atenções.
Debilitado, o animal é adotado por uma senhora ranzinza e antissocial, que enxerga na criatura moribunda um
reflexo da sua própria vida. Mesmo tendo menos páginas que a história principal, o desenvolvimento da empatia
entre os personagens ocorre sem atropelos. Há sinalização de certo exagero no desfecho, mas nada que
comprometa as maneiras diferentes de se ter afeto por um bichinho de estimação.
No Japão, a expressão que batiza as HQs ? Hoshi mamoru inu ? é usada para apontar uma pessoa que deseja algo
impossível. Sua origem vem da imagem de um cachorro que fica olhando hipnotizado para a constelação.
Aqui, Murakami apresenta a expressão futagobochi (?estrela gêmea?, em tradução literal), referindo-se aos astros
ligados gravitacionalmente, a exemplo de Sírio, a estrela mais brilhante da constelação de Cão Maior.
Logicamente, a alusão se aplica ao estado de saúde da anciã e do cãozinho, além do vínculo de afetividade
fortalecido por ambos com o passar do tempo, cada qual à sua maneira.
Ittou-sei, ?estrela de primeira magnitude?, é o título da história com mais fôlego do álbum. O personagem principal é
um mero coadjuvante presente nas duas histórias de O cão que guarda as estrelas: Tetsuo, um garoto maltrapilho e
faminto que é encontrado por Happy e seu dono furtando num supermercado.
O leitor descobre o passado do menino e as respostas que convergem no encontro com o senhor e seu cão,
repetido em outros ângulos. Traumas, reflexos psicológicos (principalmente mostrados no sono de Tetsuo) e
flashbacks são contornados no traço novamente funcional e elegante do autor.
Em paralelo, é contada a vida de um filhote da raça pug escanteado numa pet shop. Assim como os outros, o animal
é ?humanizado? com sua posição de narrador, criando empatia com o leitor pelo descobrimento dos inocentes
bichinhos por meio do entendimento e lógica do mundo.
Assim como a primeira história do volume, Takashi Murakami coloca características que atraem o destino dos
personagens.
Vale ressaltar como são trabalhadas as mesmas sequências de um álbum para o outro. Na obra anterior, o garoto
aparece na última história, Girassóis, a bordo de um trem para ver seu avô que mora ao Norte do Japão. Ali,
isoladamente, é apenas o desfecho ou um vislumbre do paradeiro do coadjuvante.
Já aqui, tal ?recorte? é remontado de maneira inteligente e sem desmerecer a ideia inicial do quadrinhista. Um bom
desenvolvimento de narrativa tomando como partida as probabilidades daquele momento.
Deixando mais pistas e detalhes sobre os eventos anteriores, O outro cão que guarda as estrelas ainda cativa pela sua sensibilidade extraída das relações familiares, seja entre pessoas ou melhores amigos de quatro patas, além das
conexões encaixadas e seladas pelas coincidências da vida. Ou seriam realmente ajustadas pelo destino?