Ronan 22/05/2021
Tive contato com irmã Valéria, a autora do livro, em uma reunião pedagógica de início do ano, ela não foi citada, ela estava presente, foi sua forte presença e a menção ao fato de que ela era uma autora que me fizeram chegar a essa obra. Ouvi-la como educadora experiente ainda que inquieta e esperançosa acabaram de me convencer a lê-la. Coincidência ou não minha irmã já tinha lido algo dela e mencionado como algo bonito. Pronto! Tinha que ler.
A obra outros cantos tem como personagem uma mulher que retorna ao sertão nordestino de ônibus no tempo recente, talvez os anos dois mil (há um que de crescimento econômico e esperança de vida melhor que sugere isso e não a atualidade...). Nessa viagem, ao deparar-se com o povo que embarca e desembarca do ônibus, seus rostos, cheiros e gestos fazem com que ela constantemente faça digressões.
“naquele lugar escondido por onde ninguém passava, onde se acabava o caminho e era na direção contrária que corria o rio da vida migrante. Lá não se costumava chegar, de lá só se ia embora.”
Essas digressões entre o presente e o passado vão dando o tom da narrativa e remontam a um passado de MOBRAL e ditadura militar, quando ela atuou como professora nesse mesmo sertão. Uma jovem professora, politizada, que chegou com a tarefa de alfabetizar uma comunidade, pelas mãos do ausente e omisso poder público, seguindo os métodos de Paulo Freire, primeiro aprendendo com sua gente para depois ensinar:
“ Pelas mãos de Fátima cheguei ali de verdade. Fátima ensinou-me todo o necessário para ao menos sobreviver. Não me ensinou tudo o que sabia, mas sim tudo o que se podia ensinar.”
“Havia que aprender tudo para poder ensinar. Não havia fórmula já testada nem manual”
Uma das mais belas descrições do sertão nordestino e de sua gente que eu já pude ler, descrições que exalam potência, pertencimento e sobretudo sabedoria:
“Então aprenda que aqui o que mais se carece é de paciência, saber esperar. A gente vive esperando, a noite, o dia, a chuva, o rio correr de novo, esperando menino, esperando a safra, notícia, o caminhão do fio, o tempo das festas, visita de padre, tudo coisa que custa a chegar.”
Na personagem também se notam inquietações pela quais todos os professores passam, como serei recebida? Como irei ensinar e o quê? Como sanar todas essas carências materiais e emocionais? Como lidar com minhas próprias carências? Acaba que as pessoas do lugar ensinam a ela tanto quanto ou mais do que aprendem com ela. Gostei do livro pelo testemunho de perseverança, resiliência, esperança e de educação como construto, como dialogicidade, um pequeno fôlego para enfrentarmos esses tempos feios e tristes.