Queria Estar Lendo 15/03/2016
Resenha: Espada de Vidro
Rainha Vermelha não me impressionou, fato. Tão fato que deixou as minhas expectativas para com o segundo livro muito baixas; Espada de Vidro me impressionou. Muito. Diferente da maioria das séries, onde a continuação costuma não impressionar tanto quanto o seu princípio, esse volume dois foi tudo que há de bom em uma distopia. Foi uma das minhas melhores leituras em muito tempo. Foi eletrizante, desesperador e absolutamente bem trabalhado. Victoria Aveyard enfim mostrou a que veio!
Mare é uma fugitiva. Depois de escapar das garras tiranas de Maven, ela já não sabe mais qual o seu lugar; só sabe que não é Prateada nem Vermelha, mas uma sanguenova. Determinada a ajudar e proteger outros como ela - porque existem centenas deles perdidos em Norta - Mare se une à Guarda Escarlate e prepara o que pode ser o início de uma grande revolução. Todo mundo pode trair todo mundo; Mare não confia em mais ninguém, nem nela mesma. Mas ainda há Vermelhos e Prateados que não se curvam ao governo de Maven e de sua horrenda mãe, Elara. Vermelhos e Prateados subjugados pelo poder daqueles que reinam sobre o seu país. Caídos que se erguerão, como a aurora.
"Os reis do fogo contra os reis do inverno, ambos com seus súditos prateados e vermelhos. Mas a aurora, ao que parece, vai surgir para ambos."
O desenvolvimento dessa obra é de cair o queixo. Espada de Vidro compensou a rapidez e não total fluidez do primeiro volume da série. Neste livro, a Victoria conseguiu pegar cada mínimo detalhe, cada intrincado medo dentro da mente de cada personagem e dar voz a eles de tal maneira que você se sentia inserido dentro desse mundo pavoroso. O que pode ser o estopim de uma guerra ou o fim de uma luta contra a tirania é também o pavor do desconhecido e o que as ações de Mare no primeiro volume trarão para ela nessa sequência. A traição, principalmente, cai sobre os ombros da protagonista e em cada passo que ela dá rumo a um destino incerto. Mare está traumatizada; pela punhalada nas costas que recebeu do príncipe e agora rei, pelas coisas terríveis que teve de enfrentar na arena para escapar viva, pela própria força e coragem. Mare é destemida e impulsiva e absolutamente feroz, e usa essas dores como o seu gatilho para continuar lutando. Ela não é o tipo de protagonista altruísta, tampouco a heroína pensando no bem de uma maioria. Ela foi injustiçada, e ela quer vingança. Ela quer sangue prateado derramado no chão, tal como o vermelho pingou por tantos anos. Mare quer que os tiranos paguem pela dor que causaram, quer que a elite se curve diante dos oprimidos. Ela enxerga, nos sanguenovos, uma maneira de alavancar o poder dos Vermelhos. Com uma lista de nomes especiais em mãos, Mare parte em busca de salvar outros como ela, Vermelhos que nasceram agraciados com dons Prateados. Pessoas comuns que podem fazer a diferença em uma frente de batalha; ela é movida por essa sede insaciável de poder, mas não está tão ciente disso quanto as pessoas ao seu redor. A traição remexeu tanto em sua mente que a vingança se torna o seu único caminho, a única maneira de encontrar a paz.
"A garota que vejo é, ao mesmo tempo, familiar e estranha - Mare, Mareena, garota elétrica, rainha vermelha - e ninguém ao mesmo tempo. Não é prateada. Não é vermelha. Não é humana. Um símbolo da Guarda Escarlate, um rosto num cartaz de procurados, a perdição de um príncipe, uma ladra... Uma assassina. uma boneca que assume qualquer forma, menos a própria."
Eu amo isso! Amo como a Victoria não escondeu a Mare dentro de interesses heroicos; amo como ela deixou a personagem ser totalmente humana e absolutamente perigosa como uma arma. Mare é a própria arma, é uma tempestade se arrulhando em volta de um mundo manchado por sangue vermelho, uma voz esperando o momento de gritar. Ela é um perigo para si mesma e para os outros exatamente por trabalhar em cima dessa frieza, essa necessidade de se fazer útil para impedir que outros vivam o que ela viveu. Os seus poderes são imensuráveis e crescem de acordo com a sua vontade de lutar; ela sabe usar o que tem. Sabe lutar com aquilo que a torna tão indestrutível. Mare não confia em ninguém, não tenta confiar em ninguém. O seu coração é de pedra e ela fortifica essa muralha conforme a leitura avança e novas atrocidades surgem diante dos seus olhos. A Guarda Vermelha. O reinado de Maven. Os sanguenovos que a seguem. Tudo isso é parte de Mare e parte do seu ódio e da sua força; ela é o tipo de líder que uma rebelião precisa, mas também o tipo perigoso de rosto a ser seguido e adorado. A Victoria arrasou completamente no crescimento dos seus medos e angústias, e estou ansiosa, especialmente pelo final do livro, para ver como os traumas se abaterão sobre Mare no próximo volume.
"- Vejo o que você pode se tornar: não apenas um relâmpago, mas uma tempestade. A tempestade que vai engolir o mundo inteiro."
O príncipe Cal é outra figura de destaque. Ele não tem tanta da minha atenção, apesar de ser muito bem trabalhado, porque faz o perfil soldado fiel e realeza protetora demais para o meu gosto. Apesar de ser principesco, Cal agora é um exilado. Foi forçado a abandonar tudo que conhecia, se tornou um assassino aos olhos de todo o reino e precisa se curvar a uma rebelião Vermelha para escapar da fúria Prateada. Apesar de estarmos dentro da mente da Mare, vemos perfeitamente o quanto isso afeta Cal. Ele é um guerreiro, impiedoso e furioso, e seu sangue é prata num mar rubi revoltoso. A autora trabalha perfeitamente seus pavores e sua determinação, a fidelidade ainda prateada que nunca vai abandonar a mente de Cal. Mare pensa, diversas vezes, em como aquela não é a guerra dele, em como vai perdê-lo no instante em que a rebelião acabar. Não vejo, de forma alguma, Cal permanecendo ao lado dos Vermelhos quando a guerra realmente estourar. Ele pode ser um exilado, mas sua herança ainda grita prata. Ele ainda é um príncipe da elite. Ainda é um filho dos opressores.
"- Sou o seu rei legítimo, filho de uma família prateada secular - ele afirma, fervendo. - A única razão para você ainda respirar é o fato de eu não ser capaz de queimar o oxigênio desta cela."
Cal e Mare são fogo e raio, são opostos que se atraem e se entendem por terem sofrido a mesma dor de perda e traição, mas não estão destinados a pertencerem um ao outro. Victoria não força nenhum tipo de romance, graças aos céus. O livro é todo sobre a Mare, sobre o seu empoderamento e a aceitação de que precisa esquecer as emoções para vencer uma guerra.
Outros rostos ganham grande destaque no segundo volume; Farley, a rebelde Vermelha, cujo passado se intrinca à existência da Guarda Escarlate. Ela é furiosa e uma guerreira nata, mas suas emoções transparecem conforme a história avança e sua humanidade se sobressai à postura indestrutível. Farley é uma mulher quebrada, mas pronta para se reconstruir com o apoio de pessoas boas à ela. Ela perdeu muito e ganhou um pouco em troca, e se mostra grata a isso conforme as páginas avançam. Farley é um sorriso esquecido que pode ser recuperado. Shade, o irmão de Mare, é outro personagem muito importante à história. Sua presença radiante oposta à fechada da irmã dá um pouco de vida às missões e às cenas soturnas protagonizadas por Mare. Ele é o sol e ela é a noite. Shade é o protetor querido, um abraço familiar, e Mare, apesar de fria, o ama profundamente. Duas cenas envolvendo os dois, em especial, me fizeram chorar igual uma criancinha. A cena final me quebrou em mil pedaços.
Kilorn, o melhor amigo de Mare, se mostra um companheiro fiel e determinado. O apaixonado pescador de Palafitas é o braço direito de Mare, aquele com quem ela pode contar mesmo quando está completamente desestruturada e indisponível para qualquer outra pessoa. Kilorn é divertido mesmo quando a diversão é desnecessária. É o guerreiro presente e corajoso em meio a um bando de sanguenovos e seus poderes especiais. Um humano simplório destemido a ponto de entrar em uma batalha de prateados e sanguenovos com apenas uma arma em mãos. Eu tinha medo que Kilorn acabasse ganhando aquela típica vaga de "melhor amigo apaixonado da protagonista", mas ele está longe disso. Ele também é uma causa, também tem uma história e um gatilho que o move para essa luta. Ele está ali ao lado da Mare porque quer, porque sabe que ela precisa dele. O seu amor é só um detalhe, não é um motivo.
"Não importa o que eu faça, não importa o quanto eu tente ser um deles, os sanguenovos me enxergam como algo à parte. Seja líder ou leprosa, sou sempre uma estranha. Sempre separada."
Outros sanguenovos têm bastante importância na trama, como a querida Nanny e sua habilidade de mudar de forma, Gareth e seu poder telecinético, a perigosa e indestrutível Cameron, que chega aos quarenta e cinco do segundo tempo para acrescentar um coeficiente de tensão absurdo na história. Jon, que vê o futuro e as terríveis coisas escondidas nele. A parte das descobertas e do desenvolvimento desses sanguenovos foi bem escrita pela Victoria; ainda que eu queira saber mais a fundo sobre a sua existência, adoro como eles são a própria arma, como são parte das duas castas existentes em Norta e ao mesmo tempo, uma nova opção.
"Vejo Maven em cada forma retorcida, em cada contorno escuro. Ele me disse uma vez que era a sombra da chama. Agora tenho medo de que tenha virado a sombra da minha mente; pior que um caçador, pior que um fantasma."
Por fim, falando do outro lado da moeda, temos Maven. O traidor de sangue prateado e frio, absolutamente perigoso e instável. Guiado pela mãe, a fria rainha Elara, e pela própria crueldade, Maven é um obstáculo na guerra. Mare tem o coração dividido pelo garoto amável que ele era e pelo rosto medonho que ele se mostrou ser. Maven não aparece muito, mas a sua presença está em toda cena, em cada cidade, em cada sanguenovo resgatado ou perdido. Maven ainda é uma sombra, mas uma sombra que engole os passos de Mare a cada segundo. Mare quer derrubá-lo, quer matá-lo, quer se vingar por todo o medo que ele impôs à ela, mas ainda existe uma faísca, um resquício de esperança. O medo de ter perdido completamente aquele garoto bondoso e doce, de ter entregado o seu coração a alguém que não pode voltar a existir, tudo isso pesa muito sobre a Mare. E estamos tão incertos quanto ela a respeito das intenções de Maven - ele é mesmo só um rei cruel, só um tirano controlador, ou ainda existe um pedaço de Maven que pode ser salvo? Uma luz dentro dele que não foi engolida pela própria escuridão? O final não deixa dúvidas de que o próximo volume pode responder essas perguntas, e eu tenho TANTO MEDO DO QUE PODE SER A RESPOSTA.
"Se sou uma espada, sou uma espada de vidro, e já me sinto prestes a estilhaçar."
A escrita fluida transforma as quase 500 páginas em um borrão. Você lê e devora e de repente acabou o livro e precisa de mais, muito mais. A Seguinte caprichou primorosamente nessa edição - a capa metálica é o tipo que você quer ficar tocando e olhando para sempre. A diagramação está perfeita e não encontrei nenhum erro de revisão; é uma edição linda da capa até a contracapa.
Se por acaso leu Rainha Vermelha e se decepcionou, vá correndo para Espada de Vidro. Se por acaso leu Rainha Vermelha e amou, vá correndo para Espada de Vidro. Se por acaso ainda não leu o primeiro volume, compre os dois correndo e termine Espada de Vidro. O final não é tão chocante quanto me venderam, mas é impactante. Um marco para a jornada de libertação da Mare e um passo para uma história muito mais densa e perturbadora, com certeza. Já estou separando o dinheiro para comprar o próximo livro assim que ele for para as livrarias; que os deuses abençoem Victoria Aveyard para que a história de Rainha Vermelha continue tão grandiosa quanto se mostrou.