Duda 26/01/2022
LEITURA OBRIGATÓRIA: Quarto de despejo
Eu estaria sendo desonesta com Carolina Maria de Jesus se reduzisse Quarto de Despejo a um diário. Vivendo no caos, a autora conta por meio da literatura seus medos, frustrações e críticas sobre sua sobrevivência enquanto mulher negra e mãe solteira na favela do Canindé, principal cenário de seus relatos. Sem hesitar, exprimiu uma realidade ainda existente na periferia brasileira, e sem suavizar, gritou sua realidade por entre as páginas. Seus manuscritos provocam reflexões e questionamentos aclamados no exterior, enquanto por aqui, quase ninguém sequer ouviu falar em Carolina Maria de Jesus. Chamarei sua obra, portanto, de clássico mais injustiçado da literatura brasileira.
Diferente do que se imagina, Carolina não é a personagem principal de seu livro. A fome é. Dia após dia enfrentando sua sobrevivência desumanizadora, pensamentos suicidas, seu desgosto em ser mulher e como isso torna sua vida ainda mais difícil, indisciplina dos filhos, desavenças com outros moradores, prentendentes... mas com a fome não há trégua, tornando todos os outros conflitos secundários.
De todos os livros já lidos por mim, a linguagem de Quarto de Despejo merece seu destaque. Carolina não concluiu o Ensino Fundamental, e os editores optaram pela originalidade dos textos, os erros ortográficos tornaram a leitura ainda mais real pois sua linguagem simples se assemelha à oralidade. Mesmo com tantos desvios gramaticais, contamos com uma escrita assustadoramente realista, refletindo seu tom triste ou inconformado através de fortes imagens líricas, belas metáforas, e palavras "de aço".
Quarto de despejo ? Diário de uma favelada, deveria ser leitura obrigatória nas grades da educação. Cabe a nós, leitores, manter viva a memória de Carolina, leitora assídua e escritora excepcional.
?? O que eu aviso aos pretendentes a politica, é que o povo não tolera a fome. É preciso conhecer a fome para saber descrevê-la.? pág. 26