none 04/04/2020
Registro histórico
Dia-a-dia na favela paulista escrito em forma de diários registrando o trabalho de catadora de papel da narradora, para alimentar os filhos que cuida sozinha. Carolina Maria de Jesus não esconde a raiva e a vergonha de morar num lugar miserável, con gente miserável, estar suja, fedida, ter a casa infestada de pulgas, comer o que consegue conforme o dinheiro que recolhe. Ainda tem tempo para relatar tudo. Mais de cinco vezes demonstrou vontade de se matar. Uma ou outra de matar-se junto com os filhos. Ser negra, mãe solteira, mulher numa favela é pretexto para seus vizinhos e conhecidos a atacarem. É emblemático o dia em que serve-se da carne do porco que cuidava. Vizinhos querem provar, comprar, a casa (barraco) pode vir abaixo visada por gente e bichos (gatos e cachorros por todos os cantos. Uma cadelinha morre empanturrada). Mas Carolina só quer provar o que quase nunca comeu. Seus filhos viviam de pão duro (Não raro com patas de barata) e coisas catadas de restos, gordura o que pudesse ser menos indigno de ser ingerido. A doença do caramujo está por todo lado. A inveja também. A fama de sabia escritora/leitora não é bem vista. Mas Carolina é delatora, isso a comunidade não perdoa. Carolina quer defender os seus. Vê violencia e devassidão por todo canto. E é verdade. Mas demonstra preconceito contra nordestinos, ciganos e negros. Ela lamenta ser negra. Culpa da sociedade que a promoveu leitora? Cabe ao leitor e à leitora avaliar. O livro é repleto de incorreções gramaticais, repetições e expressões coloquiais proprias da oralidade do tempo da autora sendo de difícil leitura para jovens. A relevância da leitura do diário é de um registro histórico de algo raro, bizarro que não deveria se repetir. Parece que as pessoas passam de carro com janelas fechadas e bem rapido virando a cara pra outro lado pra não enxergar o lado podre da civilização que está na favela. A favela que emprega gente que presta serviços que recusamos. A favela que se alimenta de restos que recusamos. A favela que despeja restos daqueles que poderiam ser humanos se fossem tratados com um pouco mais de dignidade. Trata-se de um livro de dificil leitura porque a crueldade passada pela Carolina não pode ser considerada enfeite. Choramos por Dom Quixote, por Anne de Green Gables. Mas precisamos enxergar potenciais carolinas ao nosso redor que passam fome, são violentadas, estragadas por relações abusivas, trabalhos insalubres, gravidezes indesejadas e precoces e falta de amor.