Natalia Moura 16/01/2024
Só gostaria de te convencer a ler
Eu pensei tanto em como explicar essa experiência de leitura. Como dizer em poucas palavras o quanto esse livro me fez perceber cruamente o quão fácil é perdermos nossos direitos a ponto de você não ter nem como escapar, porque tudo lhe é proibido e todos ao redor estão coagidos a não te ver como uma pessoa.
Esse livro é uma jornada pela história do Afeganistão durante quase 30 anos. Através dos olhos de duas mulheres, vamos conhecendo costumes e tradições afegãs; tradições que em alguns momentos são obrigadas a mudar a depender do regime político em vigor. Famílias que nascem em meio a guerra, diferentes guerras - inimigos que viram heróis, heróis que viram tiranos; a esperança e amor pelo lugar em que se vive e que muitas vezes se sobrepõe a lógica da sobrevivência.
São tantas, tantas atrocidades ao longo das páginas desse livro. Abusos de poder, questões de soberania política, guerras, ataques a civis, o próprio regime talibã que parece buscar a anulação da existência da mulher. No âmbito privado: violência doméstica, estupro, casamentos forçados de crianças? e ainda como se ainda nada disso fosse demais, vemos a natureza parecendo virar as costas pra esse povo tão maltratado, castigando o país com anos de seca e fome (ampliado pela políticas públicas inexistentes).
Houve muitos capítulos que me deixavam nervosa, eu tinha medo de chegar ao parágrafo seguinte, de chegar ao fim da linha e perceber que poderiam acontecer coisas ainda piores. E em geral aconteciam. E quando eu parava e pensava que aquelas palavras eram retrato de uma verdade que assolou por anos uma nação, várias famílias, várias crianças e mulheres, todas as sensações ficavam piores. Por vezes me senti enojada, angustiada pelo que era retratado.
Mas a pergunta que talvez se passe pela cabeça de quem lê esse relato seja: ?então, por que ler??. Talvez o mais óbvio é porque existiu, foi real e o fato de eu querer ignorar não faz com que esses sofrimentos deixarão de existir. Mas, para mim, o que me fazia continuar, eram as pitadas de esperança sutis, a determinação daquelas mulheres em continuar existindo, em cuidar de seus filhos e garantir que eles sobrevivessem.
O livro termina com um tom de esperança. Termina em 2003, logo após a queda do talibã e ocupação norte-americana, quando o país experimentava um momento de pacificação e reconstrução, com as mulheres recuperando aos poucos seu espaço. E é cruel demais pensar que hoje, 20 anos depois, os sofrimentos retratados nesse livro voltaram a acontecer. Que as mulheres mais uma vez estão sob a lei da Shari?a. Isso faz com que você termine com um gosto amargo esta leitura.
Mas não deixe de ler. É o tipo de livro que muda sua percepção.